8. SkinWalker

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Observo o carro estacionar na frente de casa, está chovendo tanto lá fora que mal posso enxergar quem desce do carro até está bem perto.

Não que faça diferença.

- Sorvete de flocos da sorveteria Primous, como você pediu - meu esposo para na entrada da varanda com um sorriso congelado, sua roupa e cabelo pingando enquanto ele permanece com as costas na água que caí da telha.

- Está muito frio para sorvete, seria melhor se derretesse ele para mim.

- Sim.

Ninguém responde sim para uma pergunta. Meu marido passa por mim e entra na casa, tudo está arrumado e limpo como ele deixou antes de sair.

Ele vai até a cozinha e enfia a sacola no micro-ondas, então aperta diversos botões aleatoriamente.

Eu o sigo, observando seus movimentos, enquanto o pote de sorvete gira no micro, ele se mantém imóvel.

- Sabe que isso faz nenhum sentido, certo?

- Você precisa de algo diferente? Basta pedir e você terá - ele se vira para mim.

Eu sei que ele não é meu marido, soube disso na primeira noite em que apareceu sóbrio dentro do quarto.

Desde então, ele acorda muito mais cedo que eu limpa a casa, prepara o café, ele ainda recebe os cheques do governo por invalidez, mas agora, ele gasta tudo com a casa e comigo e nem manca mais da perna esquerda.

Eu não me importo.

Agora tenho um marido dedicado e atencioso que não me bate mais, que não bebe e não exige que eu faça sexo com ele.

Eu devia estar feliz e usar isso para o melhor, mas a três dias, me pego sabotando meu esposo. Pedindo coisas absurdas como um sorvete de um sabor que só compram quando não tem outra opção, de uma sorveteria barata do outro lado da cidade em um dia frio.

Quero forçá-lo a admitir que não é o Jeff. Porque odeio que ele se pareça com um homem que me causou tanto mal por anos.

- Quero o anel de noivado que eu tinha escolhido primeiro.

- Eu vou até a loja, mas depois que você comer algo.

- Custa quinze mil, não temos esse dinheiro.

Sua expressão muda, o sorriso congelado cede um centímetro e seus olhos ficam mais sombrios e estreitos, uma torção inumana. Ele olha em volta rapidamente, então pega a frigideira de cima do fogão. Objeto que ele levou quase uma semana para saber a função e ficou encantado com ela.

- Vou vender isso.

Não pude evitar de soltar uma gargalhada longa e deliciosa enquanto me sentava na cadeira.

- As coisas não valem pela sua utilidade. Você não pode me dar um anel de quinze mil. Na verdade, não existe anel nenhum, Jeff nunca me pediu em casamento assim, eu apenas me mudei para cá depois do acidente dele.

- Meu acidente? - ele se deu conta do que eu havia questionado uma vez e caminhou em minha direção, mancando exageradamente com a perna errada.

Me sinto no limite, o riso se transforma em dor e confusão e lágrimas escorrem pelo meu rosto.

- Eu estou tão cansada.

- Eu vou preparar a cama, aí você pode dormir - ele se aproxima mais, sentando-se na cadeira na minha frente, a testa franzida de indagação - tem água nos seus olhos.

- Tem água em você todo.

Ele passa o dorso da mão em meu rosto, com o tempo, percebi que ele sentia o mesmo que eu quando me tocava, normalmente, ficava satisfeito, mas dessa vez, seu sorriso some completamente e seus olhos também se enchem de lágrimas.

O Jogo Dos 23 MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora