Capítulo 1 - Sem Emprego

20 3 21
                                    

 Meu nome é Dolores Martinez. Fui da Cidade do México a Londres e trouxe toda a minha negritude comigo. Faz tempo, na verdade. Eu era quatro anos mais jovem e tinha o ingênuo sonho de me tornar uma jornalista de sucesso. Contudo, mal sabia eu que havia um legado que eu jamais poderia tirar de mim: a minha cor. Por todas as ruas e vielas levemente não-periféricas pelas quais eu passava, já sentia um ou dois olhares julgadores. E se eu passava em um bairro rico, então, era certo o desgosto.

Dois anos tiveram que ser percorridos até que eu, finalmente, conseguisse me estabelecer no cargo que eu mais almejava. Fui contratada como redatora no Sharp Critics, um jornal um tanto antiquado que se finge de intelectual com suas críticas exibicionistas a obras de arte e livros. Não era o ideal, de longe — meu sonho era trabalhar como jornalista investigativa —, mas era o que dava na época, e eu tive que aceitar calada. Meu chefe, o alemão arrogante Benedikt Degenhart, costumava me tratar mais como uma secretária do que como redatora, inclusive no salário.

Foi em fevereiro de 1900 que tudo mudou, se eu não me engano. O que eu me lembro bem é que, logo no fim do mês, quando eu devia ser remunerada, fui chamada para o escritório do Degenhart, que estava com uma postura orgulhosa enquanto bebia a taça de um vinho prussiano mais velho que os meus avós, exibindo-se com os seus longos cabelos castanhos.

— Boa tarde, Martinez — ele disse, com sua voz afiada e grave. — Sente-se, por favor.

Eu o fiz, receosa.

— Pois não?

— Você sabe que eu fui muito caridoso com você. Você sabe, ter deixado uma pessoa... — Me olhou de cima a baixo, com aquele canto do lábio retorcido. — Uma pessoa assim... como você... vir aqui e trabalhar num dos maiores jornais de críticas do bairro! É um ato de gentileza muito grande da minha parte.

— Realmente, senhor, e eu estou muito grata por isso — Nesse momento, acho que eu quis dar um soco na cara dele e ver seu nariz empinado encostar a orelha.

— Mas, para ir direto ao ponto: seu trabalho tem sido péssimo. Notícias desinteressantes, pouco chamativas, manchetes mal-feitas, textos demasiadamente ornamentados, falta de uso de implicações e insinuações, críticas muito diretas e sem floreios, fora as posições totalmente parciais que você toma nas suas colunas.

— Posições parciais?

— Como daquela vez que você chamou o autor anti-sufrágio de "preconceituoso".

— Ah, então mostrar as sufragistas como mulheres dissimuladas e feias não é preconceito?

— Pode ser, talvez, mas não podemos tomar posições no Sharp Critics, entende? As críticas devem ser impessoais para atrair o maior público possível! Sejam eles tories ou liberais.

— Certo, então, senhor — Suspirei, a fim de não perder os limites. — E o que você quer dizer com tudo isso?

— Que você está demitida.

Essa última palavra ecoou fortemente na minha cabeça por algumas dezenas de vezes. Demitida? Como assim, demitida? Significava que todo o meu esforço de dois anos para achar um jornal que me aceitasse e os outros três em que eu tive que me submeter às mais absurdas metas foram simplesmente jogados no lixo, como se não tivessem sido nada. E para aquele esnobe do Degenhart, com certeza não eram nada mesmo.

Me sentiria muito desconfortável se reproduzisse o resto do meu diálogo nessas páginas. O que pretendo que saiba, leitor, é que eu tentei manter a elegância o máximo possível, até o momento em que eu saí daquele maldito escritório para sempre. Assim que pude me despedir de tudo, não aguentei fazer mais nada senão chorar de forma soturna, escorando-me no poste de luz enquanto pensava na dor que seria achar outro jornal em Whitechapel que me aceitasse como sou. Estava tudo acabado, na verdade.

Sem TestemunhasOnde histórias criam vida. Descubra agora