Capítulo 25 - Sem Dolores

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 Eu estava há algumas horas deitada numa cama de hospital. Carolline subitamente apareceu, com um enorme buquê de flores coloridas nas mãos. Imediatamente sorri.

— Oi, Lola — Pôs as flores sobre a minha bancada, se prestando a acariciar meus cabelos. — Como vai?

— Péssima, mas em breve melhoro. O Giraud está bem?

— Infelizmente, ele não resistiu.

Um minuto de silêncio. Me deprimi um pouco, chegando a respirar fundo. Mas, enfim, prossegui:

— Então, e o Felix?

— Nenhuma notícia dele. Disse que ia fazer algo importante. Bom, eu não sei, mas isso não importa agora. O que importa é que você está viva, e que tenho que proteger você daquela louca.

— Ah, Carol, eu... — Corei.

— Vou ficar muito feliz em ser sua guarda-costas — Ajoelhou-se, aproximando sua face da minha. Quando nossos narizes quase se encostavam, fechei os olhos delicadamente e inclinei minha cabeça, deixando que nossos lábios tocassem. Nosso beijo, inicialmente doce e inocente, gradualmente se tornou uma lasciva prova de paixão entre nós duas, conforme minha boca expandiu-se como uma vulva para sua pele carnuda e vice-versa.

Finalmente, acabou. Uma hora tinha de acabar. Mas, quando perdemos o fôlego e afastamo-nos levemente uma da outra, a única coisa que sentimos foi um impulso intenso para rir — talvez de nervosismo, talvez de alegria.

— Dolores — começou, com sua voz sedutora. — Precisamos fazer isso mais vezes.

— Com certeza — Dei outra risada, constrangida.

É uma pena que não poderão fazer mais — Uma voz ecoou, há cerca de um metro de distância.

Olhamos juntas. Era Suzanne, disfarçada com um manto ao redor da cabeça e uma cobertura escura nos olhos. Em suas mãos, carregava uma pistola, apontada para nós duas.

— Já chega. Eu já estou cansada de tanto tentar matar vocês duas, mas nada! Agora é a hora. Um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar, mas jamais três. Dolores, você será a primeira.

— Espere! — gritei, aflita. Imediatamente, me levantei da cama e pus-me na frente de Carolline, a fim de protegê-la. — Suzanne, o que você quer com isso?

— Como assim?

— Sua reputação já está arruinada. Você teve que entrar disfarçada nesse hospital, porque sabe que vai ser presa imediatamente se souberem quem é você. Ainda assim, você fez questão de enganar todo o hospital, não sei sequer como, e se infiltrar no meu quarto com uma arma. Por que você se deu a todo esse trabalho?

— Por quê? Eu já cansei de procurar porquês na minha vida, Dolores. Passei um bom tempo inventando desculpas esdrúxulas para meus assassinatos, como dinheiro ou fama, independência financeira ou reputação artística. Mas, no fundo, descobri que nada disso importa. Matar não me dá nem mesmo prazer, mais. A última vez que senti prazer ao matar, na verdade, foi quando estrangulei a psicóloga. E, ainda assim, sigo o fazendo. Sigo matando, sigo esfaqueando, atirando, estrangulando ou atirando dos segundos andares. E você sabe o por quê?

— Não.

— Nem eu. É uma ação tão mecânica, tão instantânea. Se tornou parte de mim, Dolores. Parte de mim. E, agora, eu não consigo e nem quero mais parar.

— Você não precisa fazer isso, Suzanne! — bradou Carolline, tentando manter-se à minha frente. Contudo, não deixei que se aproximasse. — Suzanne, eu sei como se sente! Passei dias o suficiente para entender como funciona o seu raciocínio. Você está oca, vazia como uma noz, isenta de quaisquer significados mais profundos da vida. Você vive como uma estrangeira do próprio país, é cínica e se afoga no ceticismo, critica o que apoia. Suzanne, você precisa de ajuda, e somente de ajuda. E não vai ser nos matando que isso vai melhorar. Você pode dar tiros, estrangular ou esfaquear toda a Londres, mas isso jamais vai preencher a sede insaciável que invade a sua alma.

A assassina não disse nada. Por um instante, pareceu refletir profundamente nas palavras da moça. Em dado momento, chegou até a abaixar a arma, olhando para o chão com as sobrancelhas arqueadas em face de tristeza.

— Você... Você tem razão — Engoliu um pouco de saliva.

— Isso, Suzanne! — afirmei. — Agora, nos dê a arma.

Estendi minha mão. Opel logo virou sua palma e, trêmula, esteve prestes a entregar sua mais poderosa ferramenta. No entanto, alguns segundos antes, hesitou e retomou tudo como estava antes: olhos franzidos, arma posicionada contra nós, sorriso malicioso.

— Esqueçam! — gritou. — Eu não sinto mais nada, acho que nunca senti. E vocês também não vão.

Abaixei-me, rapidamente, pondo as mãos sobre a cabeça. Ouvi um alto estrondo, de olhos fechados, e então uma queda. Contudo, conforme abri-me novamente, pude perceber que o estrondo não foi do revólver, e que a queda não havia sido de Carolline. Na realidade, à nossa frente, Suzanne fora golpeada com um cano de aço na cabeça, deixando com que a arma caísse para longe de si e as coberturas faciais se espalhassem pelo piso. Minha parceira, aproveitando essa ocasião, logo apanhou a pistola. Agora, estava confirmado: Dartmoor ficara indefesa.

Só então, percebi quem havia feito isso: Felix, que se apresentava esbelto enquanto seu corpo estava sujo de sangue.

— O quê? — A criminosa gritou, olhando para o seu agressor enquanto acolchoava a testa nas mãos. — Como? Você estava morto!

— Nada disso, Suzanne. Eu jamais iria combater Eva Luxemburgo de forma despreparada.

— Mas o sangue...

— Bolsas de uma mistura de vinho rosé com tinto — Abriu o paletó, revelando sua quantidade exacerbada de reservatórios. Um deles, perto do coração, já havia estourado, liberando aquele líquido vermelho idêntico a sangue. — É um tanto quanto saboroso. Deveria provar.

— Você não tinha como garantir que ela iria fazer isso! E se ela cortasse o seu pescoço?

— Havia um risco a ser corrido. Afinal, mais um corpo equivale a mais provas a serem deixadas para trás. Isso, se unido ao orgulho iminente de Eva e ao meu passado escandaloso, me levaram a ter certeza de que ela ia forçar um suicídio. Eu só não imaginava que seria com o mesmo canivete de cinco anos atrás — Deu uma leve risada, apesar da seriedade da situação. — Ela foi um tanto quanto exagerada nessa parte.

— Suzanne Dartmoor Opel — exclamei, levantando-me imediatamente e pondo as mãos nos quadris. — É melhor cooperar com a polícia se quiser ter mais de um dia de vida restante.

— Ou mais de um minuto — acrescentou Carolline, gatilhando a arma.

Suzanne, ainda estirada no chão, esboçou uma emoção que jamais pensei que fosse demonstrar: medo. Seus olhos esbugalhados, em contraste com a sombra que meu corpo fazia sobre ela, mostrava que uma simples sentença lhe permeava a cabeça, agora que finalmente não havia mais como escapar ou matar ninguém: "Eu perdi".

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