Capítulo 23 - Sem Vida

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 Eu havia passado o dia inteiro na Weather Crimes. Precisava arrumar o local para um evento muito importante que teríamos no dia seguinte: receberíamos algumas pessoas renomadas e divulgaríamos o jornal, contando sobre nossa experiência contra Suzanne e relembrando Beckmann. A nova presidente do jornal, cansada, encarregou a mim e algumas outras para fazermos a arrumação do estúdio ao invés de redigir matérias. E, como as outras estavam exaustas, me encarreguei de cobrir as suas últimas tarefas. Portanto, eu estava lá, tendo que arrumar somente algumas prateleiras e tirar o pó de somente alguns móveis. Não era tão difícil, apesar de eu estar bem desgastada a esse ponto.

De súbito, bateram à porta. Eu não fazia ideia de quem poderia ser, mas já me apavorei. A noite estava escura demais e parecia muito improvável que alguém quisesse fazer qualquer coisa ali. Sendo assim, peguei meu revólver e me esgueirei.

— Quem é? — indaguei, curiosa.

— Sou eu, Carolline!

Imediatamente, meu diafragma foi invadido por alívio puro. Era só ela, tendo que entregar suas matérias diárias. Eu imediatamente abri a porta e permiti que entrasse. Estava mais linda do que nunca naquele dia.

— Vim aqui entregar minha coluna — disse, confiante.

— Carolline... Eu suspeitava de você. Mas não suspeito mais. Não quer um cargo melhor aqui? Agora que a empresa está em expansão, com certeza vamos precisar de mais vagas.

— Ah, eu adoraria! — Sua face foi tomada por uma contagiante e franzina felicidade.

— Ótimo. Não gostaria de ficar por aqui? Estou me sentindo um pouco sozinha. Tenho medo da solidão.

— Claro! — Adentrou, simpática. — Dolores, eu sei que você andou desconfiando de mim, por isso não queria forçar uma amizade entre nós. Mas quero que saiba que a admiração que sinto por você é... impagável.

— É mesmo? — Ajeitei meu cabelo, corando.

— Eu adoro a sua presença — ela sussurrou, enfim.

Nesse momento, consegui sentir todo o atrito de nossos corpos se esvair. Parecia que uma força magnética nos conectava uma à outra, extinguindo nossas diferenças e unindo-nos em uma só.

Inicialmente, um certo medo me reteu. Meu abdômen se retraiu e um temor indescritível tomou conta da minha espinha. Contudo, conforme o tempo passou, comecei a sentir uma anexação intrínseca à pessoa maravilhosa que era Carolline. Toda a sua docilidade mesclada com a maturidade, eu consegui sentir isso em mim, como se fosse uniforme na minha mente. E, de acordo com a sensação iminente de nossas respirações ofegantes, deixei-me levar por ela, fechando os olhos depois dela mesma fechar os seus.

Estávamos quase nos beijando quando fomos interrompidas. De repente, pude ouvir a porta sendo aberta: era Giraud.

— Giraud! — gritei, empalidecida. — O que você faz aqui? Meu Deus!

— Eu... Eu só vim...

— Giraud, você está escondendo alguma coisa?

— É... — Olhou para os dois lados. — Selena, Dolores. Eu vi Selena me chamar. Não sei o que ela quer, mas ela me chamou. Ela disse que algo grandioso vai acontecer.

— Giraud, eu acho que você não está muito apto para... — Antes que eu pudesse completar minha frase, senti meu peito sendo apunhalado pelas costas. Carolline subitamente gritou, agachando-se para me socorrer. Acima de mim, pude ver a imagem de Suzanne, estática e com um sorriso perturbador invadindo sua face.

— Ah, que alívio. Já faz um tempo desde que eu não cometo meu último assassinato.

Carol, apavorada, carregou-me pelos braços até o balcão. A assassina, com um olhar de desprezo, observava a cena.

— Carolline... Eu não acredito que você, uma empregada tão fiel e bonita, esteja envolvida com essa gente. Traidora!

Levantei a cabeça, minha visão desfocada por conta da perda excessiva de sangue. Giraud, que se afastava lentamente da mulher, era acompanhado de uma sombra assustadora — uma silhueta totalmente oca e vazia, que parecia mais um espectro do que uma alma, relembrando o formato de uma mulher jovem e bela, com cabelos longos e curvas formosas. Não era Suzanne.

— Giraud, você também! — apontou Opel, segurando seu punhal ensanguentado. — Um homem tão respeitável como você... É sinceramente vergonhoso.

Achei aquilo um tanto quanto estranho, pois ninguém parecia ver aquela mulher atrás de Édouard, e eu, sem forças, não conseguia gritar. Contudo, no instante em que o francês se virou, ele viu a figura estática, imediatamente urrando de medo. Seu corpo bambo e senil acabou caindo despretensiosamente em cima de Suzanne, que reagiu esfaqueando-o por inteiro.

— Francês maldito! — resmungou a francesa. — Agora, Dolores e Carolline, é a vez de vocês.

Carolline desesperou-se, de imediato. Correu para trás do balcão e atirou todos os objetos possíveis contra Suzanne: uma máquina de escrever, um ábaco e, enfim, a própria mesa. No último item, o alvo caiu no chão, derrubando seu punhal, e minha amiga conseguiu roubá-lo.

— Suzanne... Você teve a sua chance de fugir. Agora, não tem mais como.

— Não tenho?

Dartmoor, enfurecida, empurrou a mesa caída contra Carolline, derrubando-a no chão. Então, a mulher se levantou e fugiu do estabelecimento, com a roupa suja do meu sangue e do sangue de Giraud.

— Eu vou voltar! — gritou, sabendo que ainda podíamos ouví-la. E Carol, depois de um tempo, levantou e se recompôs. Contudo, eu, já sem como aguentar, senti minha visão inteira se tornar cada vez mais fosca, até que finalmente desmaiei.

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