Capítulo 22 - Sem Suzanne

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 Minha vida foi arruinada. Eu e Eva fizemos o máximo possível para conseguirmos fugir até uma ilha remota no Brasil, mas não deu certo. Fomos apreendidas em Lisboa, quase chegando ao Porto. Consegui fazer com que minha amada escapulisse, uma vez que não havia provas concretas contra ela, mas eu tive que me render em seu lugar.

Até hoje me lembro da cena. Foi deveras marcante. Eva estava separada de mim por um bando irreconhecível de policiais, jornalistas e plebeus aleatórios, todos sedentos pelo meu sangue. Como na Criação de Adão, me senti Deus, tentando encostar meu indicador a todo custo na mulher, somente para sermos separadas enfim. Não podia deixar que me levassem assim, com um rosto frívolo e sério. Precisava criar um pouco de comoção, um pouco de pena. Por isso, pus-me a chorar, e lacrimejei avidamente no colo dos policiais que me levavam.

— Não! — eu berrava, esperando que alguma alma sã pudesse ter compaixão de mim. — Não! Eva!

— Eu vou te buscar, Suzanne! Eu vou te buscar! — E essas foram as últimas palavras que ouvi dela por um bom tempo.

Em seguida, acho que parei o melodrama. Não me lembro tão bem, mas foi um tanto quanto entediante. Passar dias e dias presa numa cela, sem esperança nenhuma de poder escapar — não é como se eu não tivesse cogitado isso dezenas de vezes, só para concluir que era inútil. Agora que o caso estava fervendo de popularidade, era impossível fugir sem ser reconhecida por todos os cantos. Eu precisava esperar a poeira baixar para, então, poder finalmente recuperar minha liberdade e meu dinheiro.

A primeira coisa que fiz quando cheguei naquela escabrosa prisão preventiva foi pedir por um advogado. Afinal, esse direito não podiam me negar. E realmente — fui recebida pelo tonto do Bill Keith, que havia feito um juramento de vida com a nossa família.

— Bo... Bom dia, Suzanne — iniciou o homem, suando frio.

— Ugh — Suspirei de desprezo. — A Christina não poderia ter me dado nenhum advogado mais competente?

— Senhora, eu pretendo acompanhá-la ao tribunal. Vou fazer sua defesa da melhor forma que puder e sou estudado como qualquer outro advogado.

— Você sabe quem vai ser o promotor?

— Felix Gaul. Ele faz questão de atuar nesse caso.

— Argh, que ódio! — Bati na mesa, furiosa. — Depois de anos de inatividade, esse pilantra vai voltar e triunfar às minhas custas!

— Acalme-se, senhora. Não há porque se estressar. O que tiver de acontecer, acontecerá.

— Mas eu acho isso tudo um absurdo! Não entendo nem porque essa palhaçada de julgamento, se todos já sabem que eu vou acabar enforcada de qualquer jeito.

— Temos que fazer o possível! Talvez seja o seu último contato com o mundo exterior. Aproveite esse momento!

Último contato com o mundo exterior... — Elevei a mão ao queixo. Uma pequena centelha de ideia começou a brotar na minha mente. — Bill, eu já sei o que vamos fazer. Sabe o nome do juiz?

— Por favor, não me faça essas perguntas... Em tese, eu nem poderia lhe responder...

— Mas, se você não responder, vai ter que arcar com as consequências. Minha irmã pode estar morta, mas seus homens não estão. Eles não foram pagos para me defender, mas foram pagos para defender os interesses de Christina, mesmo depois de sua morte. Não gostaria de virar alvo dos interesses de Christina. Gostaria, Billy?

Levantei-me. Apesar de estar separada por uma janela gradeada, pude sentir o medo iminente nos olhos de William. Ele estava na minha mão, assim como esteve na mão de todos os outros membros da família Dartmoor.

— Tudo bem. O nome dele é Kristoff Wenborough, de Amsterdã.

O Kristoff Wenborough? Aquele juiz frio metido a besta que odeia os Dartmoor porque tinha uma rixa com o meu pai?

— Esse mesmo. Tomaram todas as providências para que tudo estivesse contra você, Suzanne. Você não tem chance. Eu sinto muito.

— Não tenho? — Dei um leve riso. — Isso é o que vamos ver.

. . .

Dia do julgamento. O tribunal era feio, uma construção retangular de poucos metros, cujo interior era inteiramente adornado de madeira e janelas quadradas. As arquibancadas daqueles homens ridículos, também conhecidos como 'o júri', eram visivelmente desconfortáveis. Pude ver Kristoff, o juiz, no centro da cena, usando aquela toga preta que parecia um vestido feminino com todo o orgulho que um homem poderia ter no mundo. Foi ao banheiro, e eu fui com ele, me escorando na porta.

Já ouvia os burburinhos, de longe. "Cadê a ré?", "Onde está Suzanne?", "Assassina à solta!". Idiotas. Nenhum deles era importante o suficiente para ter a honra de ser morto por mim. Naquele momento, eu só queria matar uma pessoa.

O tolo advogado se justificou e chorou tão alto que pude ouvir de lá. Parecia uma criança de seis anos, de tão emotivo. Nem eu, em meu espetáculo quando havia sido separada de Eva, tinha sido tão dramática. Creio que Keith mereceu palmas por sua lamúria tão superficial.

Só conseguia ouvir frases picotadas. "Ela me ameaçou...", "...iam me matar...", "...eu não tive escolha!". Sinceramente, ele podia falar toda a verdade. Não iria me importar nem um pouco — afinal, eu seria condenada à morte da mesma forma.

Finalmente, tomei coragem e abri a porta do banheiro, sacando uma arma e atirando. Kristoff nem me viu direito, tão rápida foi a minha ação. Agora, finalmente, eu poderia dizer que aquele rosto sério e repleto de desdém já não estava mais assim, mas exalando uma constante preocupação. Não durou muito, pois logo caiu no chão, já morto. Minha mira era horrível, mas dessa vez eu dei sorte.

Aí, precisei fugir. Eu havia elaborado tudo com Bill, mas sabia que ele ia me delatar. Meus planos reais eram outros. Logo, já me esgueirei por uma fenestra pequena que havia visto na planta da construção e fui embora, de um modo um tanto quanto antiquado e simples. Mesmo correndo para o norte, pude sentir todo o murmúrio que o meu escape ia causar. Aqueles malditos que me acusaram não faziam ideia do que lhes aguardavam. E Dolores, a única sobrevivente dos meus ataques, iria ser a próxima.

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