Capítulo 18 - Sem Fingimentos

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 Havia se passado um dia desde meu chef d'œuvre*. Eu, Christina e Eva sentávamo-nos à mesa, ceando silenciosamente o jantar. A governanta, com uma aura receosa, permanecia em pé ao nosso lado.

— Essa comida está uma delícia — afirmou Christina. — Carolline, o que você colocou?

— Ervas finas, senhora.

— Muito bem. Pode ir — A empregada logo foi, deixando-nos à vontade. — E então, Suzanne, como vai o Imannuel?

— Ah... O Imannuel... Ele não apareceu.

— Como não? Tinha ido procurar você. Disse que viu a sra. Luxemburgo chamando o Henri por conta da sra. Pascal.

— Ah, que ocasião! Pois eu juro, Tina, que ele não veio me procurar. Eu estava passeando pela cidade com Eva.

— Passeando? — Seus olhos fitaram-me de forma sarcástica, mas agressiva. — Mas como, se vocês tinham acabado de testemunhar o assassinato-suicídio de Céline? Afinal, Eva veio aqui em casa avisar os rapazes, Carolline me contou.

— Eu sei, é que eu me afastei de Eva naquele momento e nem testemunhei nada. Ah, minha irmã, estávamos passeando juntas antes, eu juro.

— Está bom — Pareceu insatisfeita com minha resposta, retorcendo o lábio enquanto revirava a comida no prato. — E sua psicóloga? Não tem mais ido para o consultório?

— Ela sumiu.

— O quê? — gritou, largando os talheres em cima do prato com ferocidade. — Suzanne, eu não sou boba!

— Mas, Tina, eu...

— Não me chame de Tina! — Levantou, enfurecida. — Como você explica tudo isso? Essas suas histórias têm mais furos que um queijo suíço!

Pausa. Eu e Eva olhamos para a expressão temível que Christina esboçava. Num instante, eu me levantei igualmente:

— Christina, eu só estou falando a verdade!

— Eu sei que não está! — Lágrimas começaram a sair de seus olhos. — Suzanne, você por acaso...?

— Não, claro que não! Pelo amor de Deus!

— Não envolva Deus nisso! — Pôs a mão na testa, refletindo enquanto uma terrível realização começava a lhe assolar. — Suzanne, você e Eva tem algo a ver com tudo isso? Vocês mataram a sua psicóloga, Imannuel, Céline e Henri? Foram vocês?

— É claro que não!

— Mas é óbvio... Como eu pude não ver! Oh! E... Vocês devem ter matado a Bethany! E o papai! Meu Deus!

— Tina, eu...

— Então você admite? — Novamente, um silêncio solene. Christina resistia para não desabar em choros. — Você acusou a sua irmã de louca, fez com que ela fosse rejeitada e tratada como uma anormal por nada? Você matou o nosso próprio pai por nada?

— Não foi por nada! — bradei, os olhos encharcados em fúria. — Você sempre me falou o que fazer, Tina! Mesmo a Betty sendo a mais velha, era você quem mandava em nós desde a morte da mamãe! E eu não aguento mais essas suas ordens estúpidas!

— Cale a boca! Você não tem direito de falar assim comigo! Você é uma assassina, uma psicopata irremediável! E eu achei que Bethany era o problema, ah... Quão ingênua eu fui! Pobre coitada. Morreu injustiçada, num manicômio qualquer, sem nenhuma perspectiva de voltar a nós.

— E foi sua culpa — retomei um tom grave e conciso. — Eu precisei fazer isso. Pelo poder. Pelo dinheiro. Não aguentava mais ser dependente de vocês. Você, Betty, Henri, Imannuel... Todos parasitas que me impediam de ter a posse do patrimônio dos Dartmoor.

— Você matou todos eles por dinheiro? Por dinheiro?

— Matei e mataria cada um deles de novo! Eu dei sorte em nascer irmã de uma estéril como a Betty. Sem os filhos dela, não teve ninguém para disputar a sua herança. Henri e Imannuel, sendo os homens, os patriarcas, sempre mantêm todo o dinheiro, obviamente. Matá-los também foi uma parte fundamental.

— Você está limpando toda a nossa família por uma questão de herança? É isso?

— Exatamente, irmã querida. E eu não fiz isso pela primeira vez.

— O... O quê? — Sua pele pálida se retraiu. Logo, Christina começou a olhar para os lados, refletindo sobre o que eu acabara de proferir, e olhou para mim em pânico. — Suzanne...

— Isso mesmo — Sorri maliciosamente.

Christina, incrédula, tirou as próprias luvas, olhando primeiro para as mãos e depois para mim.

— Você causou isso em mim... Você causou o incêndio! — gritou, em fúria. — Você matou tudo o que eu mais amei, meus filhos, meu marido... Você fez tudo isso tentando me matar. E o papai também!

— Quanto menos concorrência pela herança, melhor.

— Sua fenestra de impuridades! Sua quimera! Eu vou chamar a polícia, vou prender as duas!

— Ah, irmãzinha, vai?

— Mas é claro que vou!

— Então vá! Faça! Me detenha como fez com Betty!

Tina, em toda sua revolta, foi subitamente sensibilizada com essa frase.

— Cale a boca, você não é como Bethany.

— Mas você é como eu. Não percebe que nós duas não temos diferenças evidentes? Se quer me prender por assassinato, também vai ter que confessar seus próprios crimes.

— Ora, meus crimes? Eles só são burocracia... Não passam de mera parafernalha política.

— Para você, pode ser. Mas e para os familiares de suas vítimas? Não quer que eu lembre da Ilha Pantheon, quer?

— Ora, a Ilha Pantheon foi uma mera manobra. Aquelas pessoas eram muito influenciáveis, muito ingratas!

— E por isso você as matou? — Pausa. — Aceite, Christina, você é suja como eu. E só não é presa porque tem poder nas mãos. A única coisa que eu quero é ter o poder que você tem. E eu faria qualquer coisa para tê-lo.

— Você é um monstro!

— Eu não sou o único monstro nessa sala. Quer chamar a polícia? Vá. Chame. Mas saiba que você está sendo tão imoral quanto eu.

Suspirou, enquanto chorava compulsivamente. Enfim, engoliu saliva e olhou para mim, com uma observação triste e desesperançosa.

— Tudo bem. Que seja. Você tem razão. Eu já fiz muito pior do que você. Não diretamente, mas já fiz.

— Ótimo!

— Isso não significa que eu vou deixar tudo isso barato! Vou vender essa casa e ir para um lugar bem distante, passar os anos miseráveis de vida que ainda me restam. E recomendo que faça o mesmo.

— O quê? Mas essa casa...

— Essa casa está suja do sangue de nossa família. Eu não quero mais pisar aqui, e se eu não posso, ninguém mais poderá — Retirou-se, subindo as escadas e trancando-se em seu quarto como uma maldita adolescente. Eu, enfurecida, sentei-me de novo na mesa.

— Não quer matá-la? — murmurou Eva, ainda comendo a carne.

— Não. Vou ver no que isso vai dar.

— O risco é por sua conta — Deu outra garfada. — Ah, isso está muito bom. Que carne é essa?

Enfurecida, virei a cabeça para Eva e balbuciei, solenemente:

Do Imannuel.

Francês para 'obra prima'.

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