Capítulo 3 - Sem Mentiras

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 A interrogação com as Dartmoor foi deveras satisfatória. Enquanto eu e Maxine voltávamos ao nosso centro de difusão de ideias, já engoli um pouco de saliva e comecei a expressar minhas opiniões:

— O que você achou?

— Eu não achei nada. Só tenho certezas. E você?

— Não acho seguro ter certezas a esse ponto.

— Justo. Foi por força do hábito. Mas estou aberta a novas interpretações.

— Eu acho que foi um acidente.

Weber parou no meio do percurso, em choque. Parecia não acreditar no que eu estava dizendo.

Acidente?

— Sim, o que tem de tão chocante nessa afirmação?

Nesse momento, a mulher rapidamente converteu todo o seu pavor em risos altos e barulhentos. Por um instante, chegou a ficar vermelha de tanto gargalhar.

— Maxine, o que é isso?

— Você... Você... — Finalmente se recuperava, enxugando as lágrimas de felicidade. — Você realmente acha que foi um acidente?

— Ué, e por que não?

— Porque são os Dartmoor! Tem uma multidão de pessoas que poderiam se beneficiar com a morte do Orlando. Acho que eles são a família mais influente de Londres. Eles mandam em tudo nessa cidade.

— Tanto assim? Não vi eles se envolvendo tanto em questões políticas.

— Não viu agora, mas eles já foram muito envolvidos com política, sim! — Olhou para os lados, antes de diminuir o tom de voz. — Dolores, tem um assunto que eu queria te contar. Não acho você confiável o suficiente para contar uma informação dessas, mas também, não é como se eu me importasse.

— O que é, Maxine?

— Meu nome não é Maxine. Meu nome é Elizabeth. Elizabeth Beckmann. Eu sou uma das sobreviventes da Ilha Pantheon.

Imediatamente, fiquei em choque. Meus olhos se arregalaram até a última potência, e só não deixei meu queixo cair porque minha mandíbula segurava-o. Era simplesmente inacreditável que aquela mulher aventureira, despojada, feminista e debochada havia sido a tory recatada do lar, esposa do influente conservador Arnold Beckmann. Eu não havia passado nem perto de reconhecê-la.

— V-Você? Beckmann?

— Eu sei. Vivia uma vida muito besta de política e influências achando que eu arrasava. Me tornava exemplo em todas as revistas por minha "virgindade exemplar" e "trejeitos incomparáveis de uma mileide". Mas aí, houve o problema do Murphy.

— Murphy?

— Gerald Murphy. Eu cometi, em 1871, o pior erro da minha vida. Aceitei ser parte de um grupo que assassinou Gerald impiedosamente. É claro, o Gerald também não era o melhor homem do mundo. Ele me tratava como um objeto. Mas, ainda assim, eu me arrependo profundamente de ter feito isso.

— Mas... Mas o que isso tem a ver com os Dartmoor?

— Orlando já não atuava mais. Ele tinha perdido a força política lá pelos anos 50 ou 60. Mas quem ingressava forte era a filha mais velha dele, a pulso-firme Christina Dartmoor Reginald, casada com o influente banqueiro Archibald Reginald. Por motivos X e Y, ela era aliada de Murphy. E quando descobriu que nós tínhamos matado o velho, decidiu fazer a vingança suprema contra todos nós. Desde 1884, começou a construir um hotel na região da Ilha Pantheon, de acordo com o feitio da Selena Murphy, que era quem ia executar o ato. Hoje, ela é conhecida como Isobel Hudson, apesar de que esse nunca foi seu nome.

— Então a tal da Isobel foi quem causou o incêndio?

— O incêndio foi só uma pequena parte de uma série de assassinatos que aconteceram naquela ilha. Foi um horror. E, o pior de tudo, foi causado pela Christina. Se a Christina não quisesse que a Selena fizesse a vingança dela, ela simplesmente não faria.

— Mas você está viva! O Giraud e o Bill também!

— Não fale os nomes deles! — Pareceu perturbada. — Mas nós estamos vivos a certo custo. Eu recebi tantas ameaças que decidi forjar meu próprio suicídio. O Giraud teve que se aposentar para sempre da vida pública. E o Bill, o que mais se deu bem, não passa de um cachorrinho da Christina. Ele é o advogado oficial da família, inclusive. Tudo que ela pedir, ele faz de cabeça baixa.

— Uau... Agora tudo faz sentido.

— Exatamente. Essa Christina é um dos piores males do século XIX, com certeza. Por isso fiquei apavorada quando disse que tinha me reconhecido. Precisamos tê-la longe do nosso caminho! Até porque, cá entre nós, tenho certeza que foi ela quem matou o próprio pai.

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