43. Ela foi feliz.

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Abri a janela do meu quarto observando que o dia estava nublado. As nuvens cobriam o céu dando a ele a aparência acinzentada e melancólica. A brisa fria soprava em meu rosto enquanto eu analisava aquele céu tão angustiado quanto eu. Uma chuva parecia estar por vir.

Vesti o vestido preto com a saia rodada que minha mãe me entregou há alguns minutos e deixei o meu cabelo solto, colocando uma faixa no meio e permitindo que algumas mechas caíssem sobre o rosto. Calcei um tênis preto e me encarei no espelho do quarto.

Aquela não era eu...

Aquela não era a Isa que a dona Branca gostaria de ver pela última vez.

Soltei um longo suspiro, cansada de segurar as teimosas lágrimas que ameaçavam vir a todo instante. Peguei algumas presilhas de cabelo e espalhei por todo ele, presilhas coloridas que deram mais cor a minha juba. Algumas delas tinham formatos de girassóis que me fizeram sorrir.

Ela não está mais aqui... mas ela está bem.

Seja lá onde estiver... Ela está bem.

Peguei o meu celular e o meu guarda chuva ao perceber que estava chovendo. Como a manga do meu vestido era longa, não tinha o porque pegar um casaco.

Caminhei até a sala vendo que Yuri já estava sentado no sofá com a sua mãe, ambos vestiam preto e estavam com o olhar perdido nos pensamentos.

— Bom dia. — Abri um pequeno sorriso para eles e me sentei ao lado de Yuri. O menino me encarava como se tentasse ver além daquele sorriso. Sua expressão dizia "não precisa fingir que está tudo bem, eu sei que não está."

Mas mesmo com isso, mantive o meu sorriso. Porque por mais que as coisas realmente não estivessem bem, ela está bem. Isso é suficiente.

(...)

Ao chegar no cemitério, um arrepio percorreu o meu corpo ao perceber o quanto aquele lugar era cheio de emoções negativas. Indivíduos choravam por todos os lados enquanto enterravam suas pessoas queridas. Choravam, talvez, porque sabiam que jamais voltariam a vê-las, que jamais viveriam de novo tudo aquilo que passou, que jamais voltariam a ver o sorriso iluminado daqueles entes queridos e que jamais teriam a chance de dizer pela última vez o quanto os amou.

Era realmente angustiante.

A cerimônia se iniciou com o pastor dizendo as suas palavras reconfortantes. O modo como fazia as palavras penetrarem o coração dos familiares reunidos, era impressionante. Alguns primos choravam enquanto davam as mãos para se consolar.

Pessoas quebradas consolando pessoas em pedaços.

Amigos da idosa observavam o seu corpo como se ainda fosse difícil de acreditar, irmãos seguravam as lágrimas pois precisavam ser um suporte para os mais novos. Os filhos... Nossa, os filhos estavam em pedaços enquanto caminhavam até o meio para dizer suas últimas palavras.

Minha tia não conseguiu dizer muito. Sua voz estava carregada de angústia e a cada frase ela precisava parar pois uma onda de lágrimas se apossava de seus olhos. Ela estava tão abalada que seu marido foi até ela e a segurou, notando a instabilidade de seu corpo.

Meu pai foi o próximo. Ele estava nitidamente abatido, com as manchas escuras debaixo de seus olhos. A pele pálida e o rosto inchado, mostravam a dor que estava sentindo no peito naquele momento.

O homem contou sobre os momentos mais preciosos que guardou com a mulher, até mesmo os momentos em que ela já se encontrava no hospital. Contou sobre suas qualidades e seus defeitos, sorrindo cada vez que se lembrava de alguma memória dela.

— Isabella? — O pastor chamou a minha atenção quando o meu pai terminou o seu discurso e se colocou ao nosso lado. — Sua avó me enviou uma carta nos últimos dias, dizendo o quanto gostaria de ouvir as suas palavras no final de sua vida... — Aquilo me pegou de surpresa. Meus familiares me encaravam com esperança, como se eu pudesse consolá-los com as minhas palavras.

Essa dona Branca... Sempre querendo me fazer falar os meus pensamentos mais profundos...

Eu abri um leve sorriso e limpei os olhos, caminhando em direção ao pastor. Me posicionei no púlpito, suspirando ao ver todos aqueles olhares.

— Essa dona Branca... — Soltei uma risada enquanto as lágrimas caíam de novo em meus olhos. — Olá a todos, bom dia. — Me esforcei para dizer aquelas palavras. — Acredito que... Que esse esteja sendo um momento muito difícil para todos que se encontram aqui. Um momento onde... A partir de agora, precisaremos aprender a viver com a dor da saudade. — Eu comprimi os meus lábios, tentando me manter firme. — A saudade é algo absurdo. A saudade de algo do qual você sabe que nunca mais poderá ter novamente é sufocante... E eu imagino que seja exatamente isso que ela sentiu ao perder a sua outra metade. — Eu ergui o meu olhar, vendo que cada um deles me encaravam com os semblantes cheios de angústia, mas que lutavam para assentir, me incentivando. Uns olhares em específico chamaram a minha atenção. Thomas e Melissa estavam ao lado de Yuri, me encarando com compaixão. — Eu... Eu estou lendo um livro muito interessante. — Abri um sorriso, percebendo os olhares confusos.

Funguei, respirando fundo antes de retomar o meu raciocínio.

— Esse livro fala sobre uma lenda onde duas pessoas são unidas por um fio vermelho. Essas pessoas são destinadas a se encontrarem em vida, com a ajuda do destino... E eu não acreditava nisso até ter a certeza de que minha avó, desde o seu nascimento, estava destinada a amar o meu avô, assim como ele também estava destinado a amar ela. E... Eu tenho certeza de que foi doloroso demais perde-lo, perder o amor de sua vida e ser destinada a viver esperando o dia em que finalmente pudessem se reencontrar. — Passei a língua pelos meus lábios, percebendo o quanto estavam secos. — Todas as vezes em que eu a visitava no hospital, ela me dizia o quanto sentia falta dele. Mesmo depois de tantos anos, a saudade ainda apertava o seu peito. — Meu olhar caminhou novamente pelo lugar. — Ela viveu intensamente, nos ensinou tudo aquilo que precisávamos aprender, iluminou nossas vidas até mesmo nos momentos mais difíceis, nos apoiou quando nós mesmos não acreditávamos em nosso potencial. Ela foi uma mãe, uma irmã, uma amiga, uma avó e uma pessoa incomparável... — Abaixei a minha cabeça, entendendo que por mais que fosse dolorido demais, ela estava feliz. — Para nós está sendo angustiante, mas para ela... Está sendo aliviador. Aliviador não ter mais que sofrer com todas aquelas dores, aliviador encontrar novamente o amor de sua vida e aliviador poder descansar em paz. E agora o que nos resta é... Viver intensamente relembrando de cada ensinamento e cada lembrança que ela nos proporcionou. Porque ela viveu. — Limpei as lágrimas que escorriam de meus olhos, com um sorriso no olhar ao notar que um arco-íris se abriu no céu, quando a chuva se tornou fininha e o sol brilhou no alto. — Ela foi feliz.

Meus olhos focaram em Thomas novamente e eu notei que sua expressão indecifrável tomou conta de seu rosto. Mas daquela vez, eu entendi a sua expressão. Ele queria me abraçar e me consolar mais uma vez. Queria arrancar aquela tristeza de mim, mas não tinha esse poder.

— E aqui eu me despeço, com essa tristeza perfurando o meu coração, mas com a minha alma feliz de pensar que ela está bem. Agradeço por tudo. — Fiz uma rápida reverência com a cabeça e fui até o meu lugar, recebendo um abraço forte de minha mãe.

Onde me permiti desabar mais uma vez.

Eu sei que eu vou te amar...
Por toda a minha vida...

O Fio Do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora