29. Malditos sorrisos.

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— Você e essa sua mania de odiar matemática. Já disse que matemática é mais lógica. — Estávamos dentro de um outro Uber, mas dessa vez, ao invés de conversar com o Uber, ela conversava comigo.

— Você mata o seu tempo com charadas de matemática! É um completo nerd! — Ela mantinha um sorriso adorável no rosto.

— Vou te mostrar que as charadas são simples. — Me virei novamente para ela. — Pensa comigo. — Se concentrou no que eu dizia. — Caminhando ao fim da tarde, uma senhora contou vinte casas em uma rua à sua direita. No regresso, ela contou vinte casas à sua esquerda. Quantas casas ela viu no total? — A menina mordeu o seu lábio debaixo, pensativa.

— Ela contou quarenta casas, não é? — Eu neguei com um pequeno sorriso e ela cerrou os olhos. — Impossível, não existe outra resposta.

— Existe sim. — Ela pensou mais um pouco e me pediu para repetir a pergunta. — E então? Quantas casas ela contou?

— Não sei! Não consigo pensar em nada! E você ainda diz que matemática é fácil. — Ela levou as mãos até a cabeça, tendo um mini surto.

— Olha, vamos pensar juntos. — Eu me aproximei dela, vendo que não se incomodou. — A senhora ao caminhar, contou vinte casas à sua direita, certo? — Assentiu com a cabeça, acompanhando o raciocínio. — Depois ela voltou pelo mesmo caminho, contando vinte casas a sua esquerda. — Dei ênfase nas palavras para ver se ela entendia a pegadinha da questão.

— Ah! — Ela abriu um sorriso enorme, certa do que diria. — Ela contou vinte casas! Porque a sua direita na ida é a sua esquerda na volta! — Ela parecia imensamente feliz de descobrir aquilo.

— Muito bem, certa resposta.

(...)

— Cor favorita? — Ela propôs um jogo de perguntas e respostas. Onde fazíamos perguntas que gostaríamos de saber sobre o outro. Para ajudar a se conhecer mais.

— Acho que preto, sei lá. — Ela fez uma careta.

— Eu já imaginava. E preto não é bem uma cor, já que é a ausência dela. — Me olhou como se dissesse "rebate isso agora".

E eu rebati.

— E a sua favorita? Deixa eu adivinhar, o arco-íris inteiro? — Ameaçou dar uma risada, mas prendeu. — Ou então é o amarelo, já que é fascinada por aqueles girassóis prejudiciais a minha saúde. — Ela negou com o seu sorriso amável.

— Não tenho uma cor favorita, gosto de todas. Por incrível que pareça. — Assenti, me sentando em um dos bancos do condomínio.

Acabamos saíndo um pouco mais cedo do restaurante por não aguentar mais comer.

— Quando é seu aniversário? — Perguntei, me lembrando da nossa conversa onde ela disse ainda ter dezessete.

— Faço na próxima semana. — Declarou, se sentando ao meu lado e respirando fundo. Deixando aquele ar puro entrar pelos seus pulmões.

Uma brisa fresca tomava conta do lugar. Era interessante ver o quanto a noite estava calma e mais bonita que o costume.

Talvez ela que fosse a beleza da noite.

Isabella interrompeu aquele pensamento com uma de suas perguntas. O que me fez suspirar pensando o que havia de errado com os meus pensamentos.

— Qual é o seu maior medo no momento, Thomas? — Eu pensei um pouco naquilo. Aquela pergunta era profunda demais, não era um simples "qual é sua comida favorita?"

— Acho que me parecer com o meu pai. — A menina ergueu os olhos, parando de balançar os seus pés no ar. — Detestaria que alguma atitude minha fosse comparada a ele. Eu não o conheço e nem pretendo conhecer. Espero que fique bem longe de mim e da minha mãe para sempre. Mas tenho medo de algum dia agir como ele agiu. Sabe... Minha mãe me contou muita coisa. — Suspirei, vendo que falei mais do que deveria.

Isabella não parecia saber muito bem o que dizer. Então eu resolvi falar, para quebrar aquele clima. Não queria que aquele dia bom terminasse por minha conta.

— E você, Bella? Qual é o seu maior medo no momento? — Ela me encarou por alguns minutos, parecendo se questionar se deveria ou não dizer aquilo.

— Acho que... Que tenho medo de perder a minha avó. — Um sorriso fraco surgiu em seu rosto. — Sabe... ela está doente há alguns meses já. E não há melhoras... Certamente me causaria muita dor se algo acontecesse com ela.

Dessa vez, eu é que não sabia o que dizer. Incrível como assuntos assim roubam completamente a nossa fala. Não tem como você simplesmente dizer "não se preocupe, não tenha medo disso".

— Você devia conhecê-la algum dia desses. — Ela empurrou levemente o meu ombro, me fazendo sorrir. — Mas se tratá-la mal, você nem sair do hospital vai. Pois precisará ficar um bom tempo lá. — Eu ri de sua ameaça.

— Seria um prazer conhecê-la. — Toquei o seu ombro também, vendo que dessa vez, ela quem riu. — Prometo me comportar.

Eu toquei o meu bolso para me certificar de que a caixinha ainda estava lá. Não sei ao certo do porquê estava com tanto medo de dar aquilo a ela, já que fazia parte do plano.

Retirei do meu bolso e segurei em uma das mãos, estendendo para ela. A menina olhou por alguns minutos e depois a pegou, abrindo a caixinha e vendo as duas aliança de prata finas, com uma pequena pedra na menor.

— Eu não sabia o seu tamanho então fui no que eu achei que serviria. — Comecei a dizer, vendo que estava tão nervoso que chegava a ser irritante.

Isso não é nada! Faz parte do plano!

— Você comprou alianças para o nosso namoro falso? — Seu olhar era surpreso. O que me fez engolir a seco. — Nossa, são lindas! — Um alívio tomou conta do meu peito.

Eu peguei a menor e coloquei em seu dedo, percebendo que encaixou perfeitamente. Quando fui escolher, medi no meu menor dedo, o mindinho, e pedi um número maior do que o tamanho dele.

Ao segurar a sua mão, me lembrei de quando segurou as minhas e passou um creme para mãos com uma empolgação nos olhos. Minhas mãos realmente estavam secas, mas as dela eram tão macias que pareciam almofadinhas.

— Ficou ótima! Você acertou direitinho! — Ela puxou a sua mão e analisou seu dedo, parecendo feliz.

— É... — Cocei a garganta ao perceber o que estava fazendo. — As pessoas precisam acreditar nesse namoro falso! — Eu endireitei a postura e ela assentiu, estranhando a minha reação.

Coloquei a aliança em meu dedo e mostrei para ela. A menina pegou o seu celular e juntou nossas mãos, tirando uma foto. Meus lábios se converteram em um sorriso, mas eu logo o escondi ao ver que ela me encarava.

— Por que está sorrindo? Você não fazia isso com tanta frequência. — Ela tinha uma das sobrancelhas arqueadas e um sorriso traiçoeiro nos lábios.

— Estou lembrando da sua mãe dizendo que você só se apaixona por personagens literários. É uma iludida nerdola que só fica presa no quarto lendo ao invés de conviver em sociedade. Não é muito diferente de mim. — Pensei em algo rápido para dizer, vendo que ela aceitou aquilo e até emburrou a sua cara.

— A diferença é enorme! Eu só escolhi não me envolver romanticamente com as pessoas. Tenho em mente que a hora que tiver que ser vai ser! — Ela cruzou os braços, e por alguma razão, minha mente viajou novamente aos pensamentos dos quais eu não conseguia me defender.

E se no momento certo... ficarmos juntos?

(...)

A deixei em frente ao seu apartamento e estava prestes a ir embora quando ela ameaçou abrir a porta, mas me virei para ela e me aproximei mais uma vez.

— Ô felizinha. — Chamei a sua atenção, vendo que não gostou nem um pouco daquele apelido e estava prestes a debater, mas fui mais rápido. — Você fica linda com cores neutras, mas na próxima vez, eu gostaria que fosse do seu jeito. Não precisa mudar porque eu disse para mudar. Achei que você não ouvia o que eu dizia. — A olhei com um sorriso sarcástico nos lábios.

Ela emburrou a cara e parecia um pouco desconfortável ao me ouvir dizer aquilo. Como se não quisesse que eu notasse que mudou porque eu pedi.

— Ah, obrigada por hoje. Foi divertido, namorada falsa. — Voltei a andar para esconder o sorriso ridículo que surgiu nos meus lábios. Malditos sorrisos.

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