11. Vai ficar tudo bem.

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Abri a porta de casa e adentrei o lugar sentindo um cansaço maior do que o costume. Soltei um suspiro e caminhei até o meu quarto, na esperança de tomar um longo banho e fazer algo que me desse um pouco mais de ânimo.

Quando saí do chuveiro, coloquei um vestido branco de mangas bufantes, com o corte reto e sua saia rodada. Calcei um tênis branco com alguns detalhes pretos e deixei meu cabelo solto.

Peguei o meu celular enviando uma mensagem ao meu pai para dizer o meu destino. E vendo que ele não responderia nem tão cedo, tranquei a porta de casa e caminhei em direção ao orfanato próximo.

Eu costumava visitar esse orfanato desde os meus quinze anos. Agora faria dezoito e continuo amando as crianças daquele lugar. É um orfanato excelente mas que abriga crianças com sérios transtornos mentais. Crianças que não fizeram nada para estar ali, mas que esse é o único lugar que restou para elas.

Normalmente, quando eu não tinha nada para fazer no meu pai, eu ia para lá e passava o dia inteiro brincando, lendo histórias e conversando com as crianças. Elas pareciam mais animadas quando isso acontecia.

Toquei a campainha da enorme casa das paredes azuis e aguardei, até que um homem idoso veio em minha direção com um sorriso. Era o senhor Antônio, responsável pela portaria do lugar e a limpeza do jardim.

— Isa? Quanto tempo, minha querida! — Ele destrancou o portão e permitiu que eu entrasse.

— Eu mesma! Como o senhor está? — Eu o abracei, vendo-o fechar o portão e caminhar comigo até o lugar.

— Estou ótimo. Essas crianças não nos dão descanso, mas estou ótimo. — Eu sorri para ele e assim que abrimos a porta da casa, crianças corriam de um lado para o outro enquanto outras desenhavam em um canto e algumas pareciam apenas existir, sentadas em um canto com uma expressão pensativa.

— Pessoal! — A mulher com seus longos cabelos loiros e um sorriso amigável, chamou a atenção das crianças. Essa era a Bianca, uma das responsáveis por cuidar de toda aquela turma. — Olha só quem está aqui! — Ela estendeu a mão para mim e percebi uma faísca de felicidade no olhar de algumas das crianças. — Tia Isa veio visitá-los!

Alguns rostinhos conhecidos correram em minha direção, me fazendo sorrir por me abraçarem.

(...)

— Conta uma história! —Lisa, uma das menores crianças, pediu com os olhinhos adoráveis.

— É tia! Conta uma história de terror! — Théo, que estava sentado ao lado dela e era um pouquinho maior do que Lisa, pediu imitando um sorriso assustador.

— Não, tia! Terror não. — Lisa cruzou os bracinhos, não aceitando a ideia do menino.

— É mesmo! Terror é péssimo. — Foi a vez de Laís comentar. Uma menina de dez anos. — Um romance seria melhor!

— Que romance o que! — Bernado debateu e uma luz se acendeu em minha cabeça no mesmo instante.

— Eu já sei qual história posso contar! — Eles pareceram sorrir com minha afirmação e se achegaram mais para perto. — É uma história de amor. — Percebi que a maioria dos meninos fizeram uma careta engraçada. — Mas uma história tocante com uma pitada de mistério e magia. Pode ser? - Eles pareciam pensar um pouco sobre.

— Tudo bem. — Alguns concordaram enquanto outros pareciam desconfiados.

— Bom, era uma vez... — Comecei com um ar de suspense. — Uma menina muito linda com seus cabelos ondulados da cor mais bonita do dourado. Ela possuía olhos da cor do mais puro mel, com suas bochechas rosadas naturalmente. Era linda e todos a achavam linda. Mas acontece que a menina era muito sozinha. Não tinha amigos verdadeiros porque sempre acabava sendo traída por eles. — Lisa entortou um pouco a cabeça com um bico nos lábios.

— Por que faziam isso com ela? — Ela perguntou enquanto abraçava seu urso de pelúcia.

— Todos queria ser amigos dela por conta da riqueza e da beleza única da menina. A usavam como se ela não tivesse um coração. E ela sempre acabava magoada por ver que não tinha ninguém para conversar. — Dessa vez, Júlia que se mantinha calada, resolveu falar.

— Fala pra ela que ela pode ser minha amiga. — Disse com sua voz suave e eu apenas ri.

—Mas ela consegue um amigo para conversar. — Eu vi os seus olhinhos surpresos dos pequenos. — Em um dia, quando a menina estava chorando no banheiro da escola por receber mais uma traição da pessoa que ela acreditava ser verdadeira, ela escutou alguém bater na porta do banheiro.

— E quem era essa pessoa? — Bernardo, que havia reclamado de romance, parecia muito interessado na história.

— Ela abriu a porta do banheiro bem devagar... Limpando as lágrimas dos olhos com as costas de uma de suas mãos... — Fiz mais um suspense, encarando cada um deles, vendo o quanto estavam ansiosos. — Quando ela olhou para frente, quase não acreditou!

— O que era, tia?! — Perguntou Théo, um pouco irritado com a enrolação.

— Um menino! — Eles franziram a testa. - Mas o que um menino fazia no banheiro das meninas?

— Isso não pode, né? — Lisa bateu a mão em uma das coxas e balançou a cabeça para os lados.

— Mas não era um menino qualquer, Lisa. — Acariciei os cabelos da menina. — A menina arregalou os olhos e começou a gritar, perguntando o que ele fazia ali. O menino disse que era um fantasma e que de alguma forma a sua alma foi desbloqueada para resolver o seu assunto pendente da terra, para fazer sua passagem para o céu. — Arregalaram os olhos, parecendo ainda mais imersos na história.

— Como a alma dele foi desbloqueada? — Paulo perguntou, curioso.

— Fantasmas existem, tia? — Foi a vez de Laís.

— Fantasmas são bonzinhos? — Lisa perguntou mais uma vez.

— Crianças? — Uma das cuidadoras se aproximou de nós. — Creio que terei que interromper a história, está na hora do lanche das crianças. — Ela colocou a mão em meu ombro e sorriu. — Muito obrigada por passar o dia conosco, Isa. — Eu sorri para ela e depois voltei o meu sorriso para as crianças que pareciam desanimadas por não saberem o final da história.

— Poxa, tia! Logo agora que ficou interessante. — Bernardo reclamou.

— Eu volto um outro dia para contar o resto, pode ser? — Eles concordaram de maneira animada e correram para fazer uma fila.

Enquanto caminhavam para a cozinha, percebi que uma menina, provavelmente com uns quinze anos, parecia pensar um pouco enquanto escrevia algo em seu caderno. Percebi que ela chorava quando uma de suas lágrimas caiu diretamente na folha do caderno.

— Oi. — Me sentei ao seu lado, abrindo um sorriso sem mostrar os dentes. — Você sabia que o dia está anoitecendo de uma forma linda lá fora? — Ela limpou suas lágrimas de forma rápida, sem entender o que eu dizia.

— Não, eu não sabia. — Me respondeu grosseiramente.

— Ah... Poxa. Você podia ir ver, ele nem sempre anoitece de forma bela. Às vezes o dia está fechado, com nuvens carregadas no céu. Às vezes está tão cinza que é impossível ver uma outra cor, às vezes está chuvoso com tempestades tão fortes que os trovões nos causam medo. Às vezes as chuvas são leves e o sol se abre nos mostrando um lindo arco-íris e às vezes um sol radiante invade o céu, nos proporciona um fim de tarde mágico com o sol entrando sobre as nuvens e dando um show de luzes. — Ela parecia me ouvir atentamente, e dessa vez, se permitiu derramar algumas lágrimas. — Não sei se você consegue me entender e também não sei o que está passando na sua cabeça nesse momento, mas isso tudo vai passar, tudo bem? Não vai ser assim para sempre... — Ela se permitiu chorar ainda mais, como se não se importasse comigo agora. Eu a abracei de lado e vi que ela devolveu o abraço. — Assim como a natureza é feita de fases, nós também somos feitos. E até mesmo as fases que consideramos feias, são necessárias para vida. A chuva pode até ser considerada ruim, mas sem ela, o equilíbrio da natureza seria quebrado, causando sérios danos ao meio ambiente, não é? Isso vai passar assim como a chuva passa... Vai ficar tudo bem.

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