09. É sessenta e quatro.

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— Estou atrasada! — Eu colocava a meia no pé enquanto juntava o meu material que estava na mesa da sala. — Estou muito atrasada! — Corri para o banheiro com um pé calçado e outro apenas com a meia. Escovei os dentes e tirei a touca do cabelo, o soltando e balançando um pouco. — Senhor, como acordei tão tarde? — Corri pelo corredor enquanto questionava a Deus porque não desceu com um milagre e me acordou mais cedo. Peguei o tênis que estava no canto do sofá e percebi o meu pai encarava tudo aquilo bebendo seu café forte.

— Seu despertador não tocou? — Ele falava calmamente pois só teria duas turmas hoje em dois colégios diferentes, ou seja, trabalharia mais tarde hoje

— Não. — Coloquei a mochila nas costas e terminei de calçar o tênis, pegando a chave de casa e correndo para dar um beijo em meu pai. — Tchau, pai. Te amo e se cuida. — Saí de casa e corri ao ver que o ônibus estava se aproximando do ponto. — Ah, não!

Desparei desesperadamente e percebi que alguns carros pararam para que eu pudesse atravessar. Sorri para eles e cheguei no ponto a tempo de fazer sinal e ver que o motorista parou.

— Consegui! — Comemorei, entrando no ônibus e conseguindo respirar. — Bom dia. — Cumprimentei o motorista, passando o meu cartão e indo até o meu lugar, aliviada.

(...)

Eu acho que falei cedo demais pois agora estava em um trânsito há uns dez minutos da escola. Faltavam cinco minutos para que o sinal tocasse, anunciando o início das aulas.

Puxei a cordinha do ônibus para sair ali mesmo. Corri em direção ao colégio igual a uma doida, me perguntando se conseguiria chegar a tempo. E se chegasse, provavelmente chegaria com os cabelos bagunçados e com o pulmão pulando para fora do corpo, se demitindo.

Quando estava virando na rua do colégio, percebi que os portões já haviam se fechado.

— Ah, não! — Olhei para o relógio em meu pulso tendo a certeza de que estava muito atrasada, e pude ver o ônibus passar por mim. O mesmo ônibus que estava preso no trânsito e eu achei que não chegaria...

Quando cheguei no portão, apertei o interfone  fazendo diversas orações para que o porteiro me deixasse entrar.

— Isa? Você chegando tarde? — Luiz, o porteiro, perguntou ao me olhar com surpresa.

— Eu fui para o meu pai e acabei perdendo o horário. Será que pode me deixar entrar Luiz? Por favor, vai! — Juntei as mãos pedindo misericórdia e pude vê-lo sorrir.

— Eu deixo sim, Isa. Você é uma boa aluna. Mas não conta para ninguém que eu te deixei entrar, viu! — Ele destrancou o portão e eu passei com um sorriso.

— Tá bom, qualquer coisa eu falo que pulei o muro da escola! — Eu corri para dentro do colégio ao ouvir que ele ria da piada.

Disparei pelos corredores e parei em frente a minha sala, tomando a ar antes de entrar e perceber que todos os olhares se voltaram para mim.

— Bom dia, me desculpe pelo atraso. Será que ainda posso entrar? — Abri o meu melhor sorriso, notando que o meu querido professor de matemática sorria também. Ele carregava um sorriso de "essa garota me dá uma trabalheira."

— Pode entrar, Isa. — Me dirigi até a minha mesa, respirando fundo ao me sentar. — Já que se atrasou, será que pode nos ajudar a resolver o final desse problema? — Encarei o professor que sorria como se fosse um vilão dos filmes da Disney. Desviei o meu olhar dele e foquei no quadro, não entendendo nem o que o problema pedia. — Pode me dizer quanto é a raiz de dezesseis elevado ao cubo? — Encarei os seus olhos me perguntando porque minha escola precisava ter seis tempos de matemática na semana.

— É... — Tentava calcular na cabeça, sentindo certo desespero por ter todos aqueles olhares sobre mim.

— Não é possível que você não saiba responder isso. — Escutei uma voz do outro lado da sala e me virei para olhar. Era o dono dos cabelos escuros que agora estavam aparentes por não ter um boné, seus olhos estavam entreabertos, me julgando por não saber a resposta.

— Bom, eu acho que as pessoas podem ter dificuldade em certas coisas, não é? E eu tenho uma certa dificuldade em matemática. — Olhei para o lado, vendo que Yuri estava achando aquilo muito engraçado.

— Se você parar de pregar sobre felicidade em plantas e se concentrar na sua dificuldade, acho que consegue superá-la bem rápido. — Ele me encarou com um olhar desafiador.

O que é que deu nesse menino? Como as pessoas podiam admirar alguém como ele? Não conseguia vê-lo como alguém legal de ter por perto. O problema estava em mim?

— Pessoal, vamos focar aqui, ok? Sem brigas, por favor. — Senti uma raiva incontrolável invadir o meu corpo.

Tive um dia extremamente corrido desde que me levantei da minha cama, não deveria ser tratada com tanta ignorância quando não havia feito nada demais além de ter dificuldade em algo!

— Pode me dar um minuto, professor? — Pedi a permissão sem esperar uma resposta. Estreitei os olhos para o menino e dessa vez eu é quem carregava um olhar desafiador. —Você acha que é bom em tudo, não é? Me diz então, quando se iniciou a revolução Francesa? Qual foi a importância da revolução industrial? Sabe as principais consequências da guerra fria? Sabe como terminou a segunda guerra mundial? Sabe os nomes dos primeiros presidentes do Brasil e quando assumiram o poder? Sabe me dizer mais sobre a independência do Brasil além do grito "independência ou morte?" — Dei uma pausa, vendo que as pessoas cochichavam enquanto eu dizia. — Me diz o que conhece de literatura. Sabe alguma informação sobre barroco, humanismo, ou romantismo, talvez? — Esperei para ver alguma reação sua, mas recebi apenas um olhar curioso. — Bom, acho que posso até ser horrível em matemática e não ter o conhecimento de quanto é a raiz de 16 ao cubo. Mas tenho um grande conhecimento em outras aéreas que não envolvem matemática. É normal ser bom em algo e ruim em alguma outra coisa. Não critique as dificuldades de alguém só porque você é bom nisso. — Me virei para frente, vendo o silêncio que se formou na sala.

— É sessenta e quatro. — Escutei sua voz quebrar o silêncio ensurdecedor do lugar. — A raiz de dezesseis elevado ao cubo é sessenta e quatro, professor.

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