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Jackson Wang 

Oi, irmão — Ian diz, do outro lado da linha, assim que atendo a sua ligação contra a minha vontade e me afasto.

Sua voz é presunçosa e forço o maxilar, tentando não demonstrar o desconforto que sinto em ser obrigado a falar com ele após anos.

Por alguma razão, algo não me parece estar certo naquela ligação.

— Me ligou a essa hora da noite por que está com saudades? — pergunto, mas não espero por uma resposta. — Infelizmente, não tenho tempo para lidar com você hoje, Ian. Vou desligar.

Estou prestes a finalizar a chamada e voltar para a mesa de sinuca, local onde eu sequer deveria ter saído, quando sua voz ecoa:

— Estou de volta na cidade — ele fala, como um aviso fúnebre que me perturba. — De volta a Ohio, como nos velhos tempos, huh? Sentiu saudades?

— E que porra está fazendo aqui?

— Ah, apenas matando o tempo. Hong Kong é um tédio sem você, já na Inglaterra, os nossos pais tentam me controlar. E eu queria visitar o meu irmãozinho caçula.

Encaro Kiara encostada na mesa de sinuca conversando com um cara que desconheço e penso em ir até lá, mas mantenho distância e me sento em uma poltrona próximo ao canto da parede.

Está distraída demais para me observar falando ao telefone e me aproveito daquilo, pois minha expressão não era muito das melhores no momento e não queria Soulier preocupada.

Nunca conseguia controlar a droga da minha raiva quando o assunto se tratava de Ian, porque sabia que a presença dele era como andar na corda bamba e cair não era uma opção. Cair era uma catástrofe.

— E por que não foi brincar de mamãe e papai com a sua namorada na Alemanha? — digo, em desinteresse.

— Jude e eu terminamos faz uns dias— explica sem muito rodeios. — E agora, eu estou afim de carne nova.

— Em Ohio?

— Por que não? É um ótimo lugar. Ainda mais com a sua companhia, xiǎotōu*.

Bié zài zhèyàng jiào wǒ* — respondo a provocação em mandarim, impaciente.

  Wèishéme? Zhè zhēn yǒuqù*

— Não me provoque, Ian. Isso não é divertido. Não fui eu quem fiz aquilo, você sabe disso.

 Shì de, shì de..* Tanto faz — retruca e o silêncio se mantém por segundos antes de retornar, a voz dele sombria: — Quero ver você, Dìdì* Então não fuja de mim.

Não respondo ao pedido. Mais cedo ou mais tarde, é lógico que ele iria me encontrar. E talvez já soubesse onde eu vivia, como estava passando meus dias, como a minha vida estava seguindo um rumo totalmente diferente do passado.

Dane-se, penso. Eu não era mais o garotinho inútil de antes. Havia crescido muito mais desde a última vez que nos falamos, tanto mentalmente quanto em estatura física, e Ian não era mais a porra do monstro o qual eu tinha medo aos oito anos de idade.

Ele era só mais um cara normal que eu aprendi a lidar enquanto vivia e nenhum medo se fazia presente mais em meu corpo. Conseguia perfeitamente bem encará-lo, se quisesse.

— Estou ocupado demais para encontrá-lo.

— É claro que está... afinal, a faculdade de medicina deve tomar do seu tempo, não é mesmo? — provoca e, quando não lhe respondo nada, continua: — Assim como aquela garota da lanchonete.

Deathless - Jackson WangOnde histórias criam vida. Descubra agora