Capítulo 9 - Obrigada

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De forma previsível, sua punição estava de volta, pontual como da primeira vez, sem atrasos, e ela percebeu isso desde a primeira manhã. Ela acordou e viu o rosto adormecido de Ava ao seu lado e, ao contrário dos outros dias, em que ficava feliz em parar e olhá-la por alguns segundos, ela sentiu um arrepio na espinha e o desejo incompleto voltou; sua respiração ficou tensa, seu pulso estava forte e batia em seus ouvidos, e ela sentiu sua própria pele sufocando-a. Ela ficou naquele transe por alguns segundos antes de se recuperar e correr imediatamente para o banheiro para lavar o rosto.

Durante o resto do dia, essa pulsação incessante era um lembrete constante de que essa coisa que ela nunca poderia evitar, que sempre a derrotava mês após mês, a esperava à noite na cama.

Já temendo o pior, ela encontrou Mary saindo para fazer compras e se juntou a ela, já sabendo qual seria sua melhor chance de sair dessa.

"Ah, você vem?" Mary olhou para ela com uma surpresa fingida. Beatrice franziu as sobrancelhas.

"Por que isso é surpreendente?"

"Eu só pensei que você estivesse ocupada", Mary deu a ela um pequeno sorriso enigmático. Beatrice fingiu não ver. "Com Ava."

Os alarmes de pânico soaram imediatamente em sua cabeça, mas Beatrice não recuou. Ela olhou ao redor como se estivesse completamente imperturbável e não soubesse o que Mary estava sugerindo. Como se ela não tivesse percebido como estava na órbita de Ava todos os dias, a cada minuto desde que chegaram lá. Como ela estava sempre olhando para ela e antecipando suas necessidades, acompanhando-a em caminhadas, acordando cedo para treinar com ela, sugerindo dormir cedo como uma desculpa para ficar sozinha mais cedo e passar a noite tendo conversas tranquilas na cama.

"Bem, eu não estou."

Mary assentiu com um sorriso sugestivo, e Beatrice sentiu-se agitada, mas ainda conseguiu disfarçar bem o suficiente. Ela não tinha vindo para falar sobre seus sentimentos ou algo parecido, especialmente não com Mary, que sempre zombou de sua abordagem à igreja. Ela se lembrou da vez em que ela ficou com raiva de seus modos e lhe disse, felizmente a sós, que ela não conseguiria, não importa o quanto tentasse, rezar para que sua homossexualidade desaparecesse. Beatrice chorou naquela noite e começou a nutrir ressentimento por ela, evitando-a, encontrando desculpas para tirá-la das missões do OEC em que participava, até que a viu conversando com Shanon uma vez e percebeu que elas não eram tão diferentes. Que Mary estava apenas do outro lado da mesma moeda, o lado que atingiu a luz.

"Então, o que é?"

"Só queria vir", Beatrice ainda achava incrivelmente difícil falar com ela. Não conseguia lidar com sua abordagem direta, sua falta de hesitação e sua confiança assustadora. Ela se perguntou se vir tinha sido a decisão certa a tomar.

"Tudo bem então."

A praia apareceu diante delas, a luz do sol a iluminava, fazendo-a parecer ouro. Era majestosa e Beatrice a admirou por alguns minutos. Elas estavam se escondendo, sim, mas, às vezes, ela não sentia que estavam quando era um lugar tão bonito.

A beira da cidade estava se aproximando e Beatrice percebeu que esta era sua chance.

"Então, como é... dormir no sofá? Você deve estar cansada."

"Na verdade, não. Eu prefiro até mais do que qualquer cama. Gosto de ficar alerta, sempre de frente para a porta da frente, pronta para qualquer coisa", Mary baixou um pouco a voz. "Eu não conseguiria descansar de outra forma."

Beatrice entendeu. Era algo que ela sabia que todos estavam sentindo: não saber quando outra bomba cairia, quando tudo viria e os encontraria de uma vez. Era difícil sentir que estavam de "férias" enquanto tinham essa lembrança constante martelando em suas mentes.

"Mesmo assim, acho que descansaria melhor, em uma cama. Não é a mesma coisa dormir no sofá", Beatrice lançou um olhar cético para ela, depois desviou rapidamente antes que Mary encontrasse seus olhos, sabendo que mentir assim para elas seria mais difícil. "Use minha cama por alguns dias, durma com Ava e eu durmo no sofá. Ficarei vigilante e me certificarei de estar sempre pronta para qualquer coisa, tenho o sono leve", Beatrice realmente esperava que seu tom de voz soasse natural.

Mary não pareceu pensar muito sobre isso e apertou os lábios, como se estivesse considerando.

"Eu não sei, Beatrice... Eu não gosto muito de dormir acompanhada, e ouvi dizer que Ava é difícil de dividir a cama."

"Ela é um pouco, mas a cama tem espaço suficiente. Ela não vai te incomodar, pode confiar em mim."

Mary virou-se para olhá-la, novamente com um sorriso enigmático, e Beatrice odiou aquilo, imaginando que já havia teorias passando por sua cabeça e que ela seria descoberta em seu plano.

"Parece que é você quem precisa descansar", Maria riu baixinho. "Ela é realmente tão difícil? Ou é outra coisa?"

Foi uma péssima ideia. Ela errou, nunca deveria ter dito nada, não deveria ter vindo, isso foi um e-

"Ei, está tudo bem." Maria olhou para ela com algo que parecia simpatia, Beatrice mal podia acreditar. "Eu entendo, e se essa for a verdadeira razão, então eu farei isso, vou deixar você dormir no sofá."

Não adiantava fingir, Mary sempre conseguia enxergar através dela, na verdade, através de qualquer um. Ela sempre soube que Beatrice é lésbica, descobrindo sozinha, mesmo depois de anos de extrema repressão em que Beatrice não se permitia chegar nem a um metro do espaço pessoal de outra mulher. Mas provavelmente foi exatamente isso que a denunciou.

E assim como naquela época, ela também sabia agora, de alguma forma.

"Obrigada."

Quando elas voltaram com as compras, Camila terminava de pôr a mesa e Ava estava sentada, completando uma sopa de letrinhas sobre celebridades italianas.

"Bem na hora", Camila soltou o ar ao vê-las chegando à porta com as sacolas. "Trouxeram o extrato de tomate que eu pedi? Acho que essa massa não vai vingar sem ele."

"Foi só por isso que eu saí", Mary ofereceu as sacolas, caminhando com Camila até a cozinha para checar o estado da massa. Beatrice pôs as sacolas ali perto e sentou-se ao lado de Ava.

• Todos os direitos reservados a @/Double_Dublin autor(a) do título, 'The Cure For Deviation' publicado originalmente em inglês no AO3 •

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