Capítulo 4 - Voltando dos mortos, escolhida pelo Halo

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Depois de algumas semanas, seus pensamentos começaram a traí-la novamente, consumindo-a tanto durante o dia quanto durante a noite. Ela sonhava com aquelas mesmas imagens que vira e que não tinham lhe parecido especiais no momento, mas dessa vez ela sentia tudo: desejo, carência, saudade. Ela as repetia sem parar, perturbando-se com a clareza. Nem sabia como conseguira memorizar tudo tão bem, lembrar de detalhes tão específicos e então usar tudo isso para intensificar esses sentimentos.

E assim, como da última vez, essa tortura duraria vários dias e noites, até que ela finalmente se rendesse e forçasse a pressão a aumentar e explodir de uma vez, com imagens obscenas de mulheres piscando atrás de suas pálpebras. Envergonhada, soluçando de nojo de si mesma, enquanto as ondas trêmulas de seu orgasmo estouravam, fortes e implacáveis, de seu âmago.

Um vazio profundo se instalou em suas entranhas; o pavor a preencheu por inteiro quando ela começou a perceber o padrão.

Aquilo aconteceria todo mês, e ela menstruaria logo em seguida, como uma maldição, como uma profecia, como um teste no qual ela falhava repetidamente e então era brevemente recompensada, para ser punida nos dias seguintes.

Ela rezava dia e noite para que isso parasse, para que pudesse encontrar uma cura para aquilo, algo que a libertasse daquele ciclo mortificante. Nunca havia se sentido tão fraca, o que a forçou a tentar esconder ainda mais sua fraqueza. Isso a estimulou a treinar ainda mais duro, a ir além, a tentar desesperadamente cobrir todo o resto para que aquela falha crescente, terrível e humilhante não aparecesse.

Então, Ava apareceu.

Ava, voltando dos mortos e escolhida pelo Halo, sendo forçada a viver entre freiras, com o claro desgosto que sentia por elas. Ava mudou tudo para ela.

Beatriz não diria que a vida era fácil antes de Ava, mas ela tem que admitir que ficou mais difícil. Pelo menos no começo, quando a viu pela primeira vez antes de saber os detalhes da vida dela, ela a julgou. Ela tentou não fazer isso, mas no fundo do seu coração, ela pensava nela como uma criança mimada e egocêntrica.

Claro que ela sabia que isso era injusto, que julgar alguém com base em tão pouca informação não era correto, mas ela preferia isso à quantidade esmagadora de pensamentos que ela cortava antes que crescessem ainda mais dentro dela.

Havia muita curiosidade. Ela queria conversar com ela, conviver com ela, conhecê-la mais, mas a vergonha avassaladora ao racionalizar de onde vinham esses pensamentos a impedia de agir em relação a qualquer um deles. Ela tentava se manter distante.

Sem muito consentimento, no entanto, ela acabou passando muito tempo conversando com ela em níveis mais íntimos do que jamais se permitiria. Esse sentimento inesperado cresceu: a necessidade de ser notada, de ser vista, a necessidade de contar a ela sobre sua vida e entendê-la de uma forma mais profunda do que qualquer uma das outras irmãs. Ela queria se revelar para Ava.

Mas ela sabia que não poderia.

Anos de arrependimento não poderiam ser perdidos por um impulso repentino, especialmente quando se tratava da nova portadora do halo, uma garota que havia passado por muito mais do que ela lhe dava crédito e que, no fundo, sentia simpatia. Ela não poderia se abrir para ela de uma forma que a deixasse vulnerável a mais humilhação.

Ela tentou se manter isolada, apagar seu passado e sua verdadeira identidade para um bem maior, para a missão, para a ordem.

Principalmente quando sabia o que estava por vir. À noite, a cada mês, ela enfrentava uma guerra consigo mesma e Ava inevitavelmente participava dela, não ao seu lado.

Quando aconteceu pela primeira vez, Ava já havia escapado.

Isso a acalmou um pouco. Mary estava atrás dela, tentando abrir sua mente teimosa e permitir que ela visse a extensão da missão e como ela afetava a todos, não apenas a ela. Ela confiava que Mary a traria de volta, mas também esperava que não fosse muito cedo.

Beatriz teve um sonho naquela noite, no qual Ava atravessou as paredes grossas e pesadas de seu quarto e a viu se contorcendo na cama, com o calor infernal e pecaminoso explodindo de seu âmago, enquanto ela tentava contê-lo, para lutar contra a tentação de forma semelhante ao que já havia feito em muitas noites.

Ver os lábios, olhos e a silhueta da outra mulher não fez nada para acalmá-la. Em sua mente febril e turva, isso alimentava sua excitação, e seus quadris saltavam da cama, tentando encontrar uma âncora, um peso para fazê-la voltar.

Ava não disse nada, permaneceu nas sombras, os olhos escuros brilhando e um pequeno sorriso se formando em seus lábios.

Em sua própria miséria, isso instigava Beatrice.

Ser vista era o que ela queria, e ali estava Ava, observando-a cuidadosamente. Percorrendo lentamente aqueles lindos olhos sobre seu corpo exposto, vendo o desejo escorrendo dela, sua pele faminta, seu corpo implorando.

Ela sabia que não queria que Ava se aproximasse, que interagisse com ela de qualquer outra forma que não fosse através dos olhos. Isso seria demais, nem mesmo sua imaginação era tão boa assim. Então, ela ficou grata por tê-la ali, esperando passivamente que Beatrice lhe desse algo.

E Beatrice deu.

Sua mão traiçoeira deslizou pelo seu abdômen, sentindo o calor deixando um rastro que quase queimava, e alcançou suas dobras, macias, sedosas, e usou dois de seus dedos para se abrir.

De repente, Ava estava bem na sua frente.

Beatrice abriu os olhos, assustada, como se tivesse sido trazida de volta de uma sessão de hipnose. Ela olhou ao redor, mas seu quarto estava vazio. A presença de Ava ainda parecia tão fresca, tão recente, quase como se ela estivesse realmente ali. Sua mão estava entre as coxas e ela a afastou como se queimasse em brasas. Ela ainda estava em seu conhecido estado de agitação, sentindo-se perturbada. Era a primeira vez que ela via alguém específico durante seus... sonhos.

Isso parecia, novamente, como uma linha, como um limite que ela não deveria cruzar, a danação esperando pacientemente do outro lado, sabendo que ela viria. Ela se odiava por isso, odiava o que quer que fosse que estivesse colocando esses pensamentos, sentimentos e desejos dentro dela. Ela ainda não acreditava que eles vinham apenas dela. Ela sabia que não era assim, não era alguém que se entregava ao prazer. Ela havia desistido de tudo isso quando se juntou à ordem. Ela desistiu de sua opulência, sua autonomia, seus desejos materialistas. Por que ela não conseguia simplesmente desistir disso?

• Todos os direitos reservados a @/Double_Dublin autor(a) do título de 'The Cure For Deviation' publicado originalmente em inglês no AO3 •

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