Capítulo 19 - Freiras não tiram folga

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Quando Beatrice acordou no dia seguinte, a primeira coisa que sentiu foi o alívio ainda percorrendo seu corpo. Estando tão relaxada e contente; sua noite de sono foi longa e sem sonhos, e ela percebeu a energia começando a fluir pelo seu corpo, agora que o ar frio da janela entrava no quarto e batia em seu rosto. Era hora de treinar, mas ao se virar, Beatrice se viu cercada pelos braços de Ava, que a abraçava com força.

Ela se virou, dando de cara com Ava com seus olhos já abertos, voltados para ela.

"Que horas são?", perguntou Beatrice, esticando os membros.

"Não sei, umas nove?"

Beatrice suspirou, virando-se.

"Dormimos demais." Sempre acontece nesses dias, por algum motivo.

"Tudo bem, acho que ninguém se importou", disse Ava, ainda agarrada a Beatrice, sem se mover um milímetro. Era aconchegante e reconfortante, e ela fechou os olhos, expirando lentamente. Ava cheirava bem, era tão calmante.

Então, todas as lembranças da noite passada vieram à tona. Ela abriu os olhos novamente.

"A gente tem que treinar", ela declarou, e Ava gemeu, escondendo o rosto no pescoço de Beatrice.

"A gente não pode simplesmente tirar o dia de folga?"

"Freiras não tiram folga."

Ava gemeu mais alto, bem perto do ouvido de Beatrice, mandando arrepios por toda a sua espinha, se espalhando pelo corpo, sacudindo-a por dentro. Ava continuava alheia, abraçando-a com força, com braços e pernas, como se ela fosse um travesseiro enorme.

"Mas está tão frio essa manhã."

Beatrice olhou pela janela para o céu lá fora. Era verdade que ultimamente estava ficando frio nas manhãs e esquentando durante as tardes. Provavelmente era um sinal de que o início do outono estava próximo. Ela esperava que estivessem prontas para o inverno.

"E você é tão quentinha", sussurrou Ava, os olhos fechados, a respiração fazendo cócegas no pescoço de Beatrice. Desta vez, em vez de arrepios, ela sentiu uma onda de calor totalmente nova percorrer seu corpo.

Ela se lembrou da noite passada, olhando nos olhos da Ava enquanto ambas faziam atos tão proibidos, o compartilhamento de um segredo, testemunhando uma à outra de tal maneira que a fez se sentir mais próxima da Ava do que qualquer outra pessoa em sua vida antes. Ela se lembrava dos sons, dos poucos vislumbres que teve de Ava se movendo sob os lençóis. Os olhos da Ava absorvendo cuidadosamente cada detalhe das aflições de Beatrice, observando e ouvindo coisas que ela pensava que nunca deixaria ninguém testemunhar.

Beatrice se sentou imediatamente, sentindo o início tênue da pulsação entre suas pernas. Não pode ser.

Ela não pode se deixar ser possuída por isso novamente.

A melhor coisa a fazer era seguir em frente, esquecer tudo e nunca mais repetir algo parecido com Ava, se ela quisesse manter o que tinham, se quisesse preservar o que eles construíram.

Ava gemeu alto e dramaticamente, virou-se e puxou os lençóis para se cobrir.

"Deixe-me ser preguiçosa só por uma manhã, ok?"

Beatrice foi até a janela e viu Mary, Camila e Lilith lá fora, jogando shurikens em um alvo rústico.

"Vamos, as outras já estão lá fora, vamos treinar com elas."

Ava começou a se enrolar na cama, reclamando.

Não foi fácil, mas depois de um banho quente e promessas de um café da manhã reforçado, eles finalmente desceram as escadas, onde os outros já estavam descansando na sala de estar. Beatrice suspirou, afinal, elas perderam o treino.

"Boa tarde", disse Mary em tom irônico, mesmo sendo pouco mais de 10 da manhã.

"Beatrice não costumava faltar ao treino matinal", comentou Lilith casualmente, enquanto tomava um gole de água.

"Não sabia que vocês já estavam de volta", respondeu Beatrice, passando por elas e evitando o assunto do seu atraso matinal.

"Na verdade, elas chegaram ontem à noite", acrescentou Camila. Beatrice apenas acenou com a cabeça, tentando não pensar no fato de que elas provavelmente chegaram por volta da mesma hora em que ela estava com Ava... No quarto.

Ela caminhou em direção à cozinha, onde Ava já estava "atacando" a geladeira, torcendo para que ninguém descobrisse o que elas estavam aprontando.

"Café, chá ou suco?", Ava perguntou, olhando para ela, com todas as opções já espalhadas sobre a bancada.

"Você sabe que não precisa tirar tudo só para decidir o que vai escolher, né?", Beatrice disse.

"Como assim?", Ava se virou para ela, genuinamente confusa. "Estou perguntando para você, eu já decidi que vou tomar café, chá e suco."

Beatrice sorriu. Claro.

"Vou querer o chá, obrigada."

"Oh", Ava respondeu com um sorriso, "Seu lado britânico está dando as caras." Ela pegou uma xícara pequena e despejou a água quente nela, antes de se virar para Beatrice novamente. "Quer um pouco de limão, m'lady?" perguntou, imitando um sotaque inglês da melhor forma que pôde.

"Isso foi horrível", Beatrice sorriu mesmo assim. "Prefiro ele puro, obrigada."

Alguns minutos depois, ela pegou a xícara pequena e saiu da cozinha, enquanto Ava seguia para a próxima etapa do seu café da manhã, que incluía cereal, panquecas e ovos, tudo ao mesmo tempo.

Ela se sentou com os outros na sala de estar e encarou Mary, enquanto a xícara esquentava seus dedos gelados.

"Então, o que vocês encontraram?", perguntou Beatrice, dando um gole.

"Nada ainda. Eles continuam nos procurando, mas não há notícias sobre possessões. A pista de ontem era falsa. Está ficando cada vez mais difícil diferenciar demônios de gente simplesmente horrível", respondeu Lilith, suspirando.

Esperar que algo ruim acontecesse ou que Adriel os encontrasse estava se tornando cansativo, mesmo sabendo que deveriam agradecer por ter esse tempo para se reunir e planejar seus próximos passos.

E assim, os dias se passaram.

Todos os dias, elas acordavam cedo para treinar, treinavam mais um pouco à tarde e faziam uma reunião diária para discutir possíveis estratégias. Beatrice mantinha todo mundo em ritmo constante, certificando-se de não pressionar demais, mas também de manter todos prontos e alertas.

E à noite, ela encontrava Ava na cama, se aconchegava em silêncio ou conversava sobre assuntos aleatórios. Elas ainda não tinham falado sobre o que aconteceu naquela outra noite, e Beatrice esperava que continuasse assim.

• Todos os direitos reservados a Double_Dublin autor(a) do título, 'The Cure For Deviation', publicado originalmente em inglês no AO3 •

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