BLOODBURN, Megumi Fushiguro

Capítulo 1. Maldição

Elas falam comigo ainda que esteja em um quarto pequeno e mal iluminado, com poeira acumulada em alguns cantos. O uniforme não me caía bem, e a cama era como um cubo de gelo, tirava meu sono todas as noites. As coisas acabaram saindo do meu controle, não matei ninguém, não feri ninguém, mas ela sim. Ela fez isso usando meu corpo e a culpa é toda minha por perder o controle.

Era mais fácil quando era apenas uma criança, não fazia ideia do que era real ou não. Mas agora, agora tudo parece mais vivido, pensava que ninguém poderia ver o que eu vejo. Era como uma... maldição.

Até conhecê-los, até conhecer ele.

Uma semana antes.

Meu coração estava palpitando, quase pulando para fora do meu peito. Parei em frente a uma cafeteria e apoiei as mãos em meus joelhos, respirei fundo para recuperar o fôlego. Mesmo abaixada, senti um arrepio na espinha, como se alguém houvesse acabado de passar por mim, alguém que me fez ter um mal pressentimento.

Olhei para a placa da cafeteria, e para as pessoas entrando no estabelecimento enquanto conversavam. Havia um tipo de monstro com o dobro do seu tamanho, corpo esguio, cabelo preto escorrido. O observei se arrastar para dentro junto deles enquanto recuperava o fôlego. A porta bateu logo depois, fazendo o tilintar do sininho.

- Deu vontade de tomar um café. - Suspirei e caminhei até o estabelecimento, ajeitei o boné em minha cabeça e fiquei em frente ao balcão esperando ser atendida.

O grupo de jovens recebeu os pedidos e foram até a mesa nos fundos, o ser esguio se virou para trás e me encarou diretamente. Seu rosto era murcho e poroso, ele resmungava algumas coisas nas quais não faziam sentido, como "bola" e "vizinho". Ele passou por mim e esbarrou em meu ombro, me virei.

- Senhorita? Está tudo bem? - O balconista me perguntou, senti meu corpo hesitar. É claro que... ele não o via. - O que vai querer?

- Eu quero... um latte por favor.

Ele afirmou e começou a fazer o meu pedido, me virei para o balcão, ignorando o ser esguio enquanto saía pela porta. Ouvi o sininho outra vez, ele era tão alto que fez questão de esbarrar no sino com seu corpo. Senti um arrepio na espinha, enquanto retirava o dinheiro do meu bolso e esperava o balconista servir meu latte.

- Seu pedido. Tenha um bom dia! - Ele me disse, recebi meu pedido e saí pela porta da cafeteria, dei alguns goles na bebida sentindo-me energizada.

Olhei em volta buscando pela entidade, ele já não estava mais na minha vista. Suspirei novamente e bebi mais um pouco, notei que havia um cão grande e peludo perto da beira da estrada, seus olhos eram amarelados e o pelo escuro como a noite. Parecia com um lobo, mas as pessoas reagiriam de outra forma se vissem um lobo andando pelas ruas, então presumi que fosse apenas um cachorro de porte grande. Me aproximei e agachei na altura da sua cabeça.

- Onde está o seu dono? - Olhei em volta, levei a mão na direção do seu rosto e fiz um pouco de carinho. Ele lambeu minha mão, notei uma marca triangular na sua testa. - O que é isso? Tinta?

Quase o toquei, o cão disparou para longe. Me levantei e suspirei novamente, quando dei meia-volta quase caí para trás. Dois garotos e uma garota passaram correndo por mim, quase me levando junto.

- Adolescentes. - Me virei e saí, joguei o copo descartável no lixo e continuei andando. De repente senti meu corpo paralisado, tentava me mover mas era impossível até mesmo respirar. - Mas que merda.

Notei algumas pessoas passando por mim, era como se naquele segundo meu corpo estivesse encolhendo aos poucos. Isso mesmo. Alguém estava tomando o controle. Quando me virei minimamente sem sair do lugar, notei aquela mesma entidade atrás de mim, ele estava parado como um encosto. Ele estendeu sua mão grande com seus dedos finos parecendo só pele e osso, antes que pudesse tocar o meu ombro, tudo se apagou.