cap. 3

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Harry Potter - Dois dias antes do sequestro.
🎧Bored - Billie Eilish

-Você sempre foi rico, então? - Neville questiona.

Todas as vezes em que saímos juntos, as questões são as mesmas: minha vida, a grana da minha família e o porquê pareço tão deprimente. Neville não costumava ser assim no colégio, não costumava ser assim com ninguém, quando o vi no primeiro dia de aula, saquei que era o tipo de nerd invisível que não recebe muita atenção - o que, graças ao bullying das escolas públicas daqui, é uma descrição invejável. Eu tinha motivos para querer ser ignorado também, então me aproximei dele.

A verdade é que Longbottom é um cara legal, tem uma família meio ferrada e sabe que as pessoas não o provocam porque, na realidade, sentem pena. Meus interesses em sua amizade não são apenas ficar escondido sob seu perfil irrelevante, - eu realmente gosto de contar com ele.

Quero ser o amigo que nunca pode ter.

-E de que importa? - Pergunto, olhando para ele enquanto caminhamos em direção à academia.

-Porque sim. É a sua vida. - Ele afirma, como se só isso bastasse e eu devesse compreender. - Porque isso me interessa. Você levantou todos esses muros esquisitos ao seu redor, e aí toda essa sua história parece ser do 'caralho.

-Só é interessante quando você ainda não sabe tudo, depois, vou ser só mais um coitado para você.

-Eu sou um coitado, qual é? Um pai doido, pirado e largado em um hospital desses para gente que é causa perdida. - Neville começa a falar, olhando para o chão. - Não tenho muito do que me gabar e muito menos do que se surpreender.

A história de Neville também me convenceu a trazê-lo comigo para os treinos que fingi serem aulas de instrumentos variados, - sei o bastante sobre eles para garantir que se me pedissem uma palhinha, eu saberia o que fazer. De qualquer modo, os treinos poderiam me ajudar a se defender do que me fez se mudar para cá e também, permitir a Neville algo além do sedentarismo cotidiano, o que por tabela pode distraí-lo do que vive em casa: uma realidade nada legal, onde seu pai tem problemas mentais e é ausente, sua mãe quer força-lo a viver algo feliz e artificial demais, e sua vó, bom, ela é uma senhora muito maneira.

-Que é que sua mãe te disse esta semana, cara? - O questiono, sei que vai acabar se rendendo e me falar sobre tudo, deixando de lado meus problemas.

-O mesmo de sempre. "Sei que as coisas não são perfeitas o tempo todo, mas esta é nossa vida agora. Você não pode viver tendo chiliques, não pode viver tentando enfraquecer esta familia..." - A voz do garoto imitando sua mãe quase tira toda seriedade da situação. - Ela não suporta que eu diga sobre tudo aquilo ser uma farsa, diz que sou um insensível, que nossa vida tem de ser isso. Ah, vai se foder.

Sua frase pontua o momento em que entramos no ambiente caótico da academia de Victor Krum. Eu levei um soco dele enquanto caminhava pela rua comendo um taco, trombei com seu corpo gigantesco e o molho da massa sujou sua regata branca, ele me xingou e mencionou: "Sua espécie nojenta nunca vai pisar em uma academia como a minha, otário."

Uma semana depois, eu estava lá.

-Ei, olha só! As maricas chegaram, de quem vão apanhar hoje? - Mesmo tendo conquistado Krum com a coragem de aparecer aqui depois de ser machucado, ele ainda me trata de um jeito muito específico.

-Quero treinar peito e tríceps, sem essa de desculpas para apanhar de mim, Krum. - Falo, pois realmente pude me vingar e bater um pouco nele durante as aulas de Muay Thai que são oferecidas neste local, três vezes por semana.

-Mas o Neville quer, eu sei que quer... - O rapaz passa a irritar meu amigo, e aproveito o momento para se dirigir a máquina onde vou começar meu treino.

Supino reto, três séries, vinte repetições com quinze quilos. É fácil decorar essas palavras, decorar quais serão minhas próximas ações, é consideravelmente menos dificultoso do que pensar em todas as outras coisas que me assombram. Qualquer coisa que me distraia e dê sentido as minhas atitudes serve.

E treinar tem sido a principal delas.

-Você não vai ir assim alugar um terno, né?  - Neville me diz, enquanto estamos sentados em um deck beira mar, bebendo sucos naturais de uma venda próxima, pós o treino.

-Assim como? Eu estou fedendo? Ah, merda, deve ser o shampoo novo, é uma droga...

-Não! Sei que tomou banho, mas sem querer afrontar, essa bermuda não passa uma imagem de alguém que quer providenciar um terno chique.

Não entendo porque minha bermuda azul escura, boné do New York Yankees e a regata não servem. Qual é? Valorizam meu corpo, meus músculos precisam ser vistos.

-Merda, esse povo é meio complicado. Mas que se dane, estou indo, falou aí. - Compartilhamos um rápido high-five e eu saio em direção a loja de costura que Sirius me indicou.

Quando adentrei o local, os olhares me deixaram constrangido, mas fora preciso somente mostrar algumas notas no bolso e o tratamento foi de zero a cem, fui apresentado aos melhores trajes e as mais finíssimas calças. Como não entendo absolutamente nada, mandei que separasse uma calça social e um blazer da cor que mamãe indicou, a camisa seria algo fácil e o sapato seria o menos social possível - não me sinto bem sem contrariar algumas regras.

Quando estava indo embora, com a sacola desnecessariamente grande, ouço meu celular vibrar loucamente. Era Sirius, me ligando.

-Alô, oi, o que foi? - Falo.

-O mesmo de sempre, aquele velho chato insiste em ser atendido por você! De novo, ele está implorando por alguém "de confiança". - É possível sentir sua raiva mesmo em sua fala entrecortada pelas deformações da linha.

-O Sr. Riddle? Ele ainda não acreditou que você é o braço direito do meu pai?

-Não. Aparentemente não. Vem logo para cá, ou vou cometer um crime. - Ele desliga logo em seguida.

O maldito homem a quem ele se refere é um dos clientes mais insuportáveis que Sirius atende em Miami, ele queria uma casa para passar seus verões em família na Flórida, e rapidamente isso foi providenciado. No entanto, ele sempre encontra formas de querer falar comigo, e noventa por cento das vezes são para coisas bobas e completamente descartáveis.

Não sei exatamente quando me reconheceu como filho do James, talvez tenha sido quando estive junto de Sirius no trabalho ou algo parecido. Agora, são constantes suas chamadas por mim, ele parece me perseguir e pergunta coisas pessoais demais para o que deveria dizer respeito a um imóvel.

De qualquer forma, preciso fazer minha parte.
 

The Kidnap - Hinny Onde histórias criam vida. Descubra agora