🔥Capítulo 1: Meu cachorro, Chad, bota fogo na casa.

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  "É impressionante como sempre acontece alguma coisa importante quando chove".

  As gotas de chuva batiam forte na janela, metralhando os vidros do orfanato. A campainha tocou no meio da madrugada, ecoando no hall de entrada de piso frio que imitava mármore. Uma freira apareceu apressada no alto da escada de ferro, enrolada num roupão, os cabelos grisalhos presos num coque.

  "Mas quem seria a essa hora?"

  Abriu a porta lentamente, um pouco temerosa com o que ia encontrar. Para sua feliz surpresa, deparou-se com um cesto de vime onde pousava um lindo bebê - que parecia dormir com os anjos. Deu um suspiro e ficou a admirar aquela criatura tão pequena e, ao mesmo tempo, tão bela e... Tão desprotegida, tão frágil...

  Um estrondoso barulho me acordou dos meus devaneios. O som de um trovão ecoou por toda sala, fazendo todos olharem para a rua. O temporal continuava a metralhar as janelas. Encarei novamente a prova, porém mal conseguia ler o que estava escrito. Dr. Wilson disse que era comum as palavras se embaralharem sob o papel quando se tinha dislexia. Era para eu respirar fundo e tentar novamente.

  "Falar é fácil, né?"

  Naquela noite, quando o bebê inesperado chegou no Orfanato das Irmãs Franciscanas, em Seattle, ninguém foi contra sua estadia lá junto com as outras meninas. Ninguém não, a irmã Frida sempre dizia que irmã Judith tinha sido um pouco fria ao frisar que elas não podiam aceitar "a qualquer um que fosse deixado na porta ao relento". Não imaginavam, entretanto, os problemas que ainda estavam por vir. Afinal, o bebê — no caso eu — veio a se tornar a interna mais polêmica que a Irmandade já tinha visto. E não é que eu fosse do tipo de arranjar problemas, mas parecia que os problemas vinham até mim! Era impressionante!

  Encarei novamente a prova e respirei fundo 2x, bem como o Dr. Wilson instruiu. Consegui ler algumas coisas e respondi de qualquer jeito. Tentava manter a calma, no entanto o balanço frenético da minha perna acusava minha impaciência para o fim da aula.

  Eu tinha nem 5 anos e já havia quebrado várias coisas dentro de casa - como duas camas, uma cadeira, etc. Porém o auge da minha infância  foi eu ter sido adotada e devolvida no mesmo dia por ter colocado fogo na casa nova, supostamente alegando que estava tentando "matar um monstro"... Bem, você entendeu. Eu era daquelas crianças que ninguém queria. Aquelas crianças que os adultos gentilmente chamavam de "problemática"... As irmãs, exaustas de tentarem me dominar, resolveram apelar ao fundo financeiro da Irmandade para me levar ao médico. E foi assim que Dr. Wilson entrou na minha vida. Ele era um jovem médico, neuropediatra, usava óculos vermelho e tinha um consultório cheio de livros - que dava um ar mais intelectual do que provavelmente era. Irmã Frida foi comigo na primeira consulta, estava confiante.

  Depois de uma longa conversa, Dr. Wilson acalmou a irmã Frida servindo-lhe uma xícara de chá. Era difícil o que ele tinha para dizer, mas, infelizmente, a menina tinha Transtorno de Atenção e Hiperatividade e não havia muito que pudesse fazer sobre isso. Irmã Frida me encarou aflita, como se eu tivesse sido sentenciada à morte.

  Uma gota de água pingou na minha prova, me despertando novamente de minhas memórias. Quando chovia muito, sempre apareciam goteiras no teto da escola. Era um colégio simples, num prédio muito antigo. Ficava a 3 quadras do Orfanato, de maneira que todas nós íamos sozinhas a pé todos os dias. Irmã Carmelita não gostava muito dessa ideia, ela era a chefe do Orfanato e a mais velha das Irmãs. Tinha um ar de cansada, cabelos muito brancos, olhos azuis pesados - devia ter idade para se aposentar, mas estava lá, gerenciando um orfanato com mais de 100 meninas.

  O sinal tocou e eu pulei na cadeira, assustada. As outras crianças riram de mim, como sempre faziam... Digamos que eu não era a garota mais popular da 3° série. Entregamos as provas e fomos liberados. No caminho até a saída, a minha única amiga e colega de Orfanato, Liza, me encontrou no corredor. Ela vinha sorridente — aposto que tinha ido bem na tal da prova.

O Ladrão dos Sonhos | Percy JacksonOnde histórias criam vida. Descubra agora