Vinte e Dois

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Giovanna Meneses
📍rio de janeiro, barra da tijuca
📆 20 de outubro de 2023

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Fazem mais de quatro horas que eu acordei, e desde o momento que eu vi a data no celular, não consegui levantar da cama. Agarrei o travesseiro mais próximo e deixei as primeiras lágrimas caírem, não sei quantas vieram depois, perdi a conta na 2.117. Quando criança, todas as vezes que eu chorava muito, me distraía contando as gotículas de lágrimas, e quantas vezes eu sentia uma escorregar pelo meu rosto.

Meu pai quem me ensinou isso, ele falava: "Conte Gigi, isso pode te acalmar se não perder a conta", e assim eu fazia. As vezes eu chorava por birra, por que queria algodão doce do parque, ou por que queria pipoca, ou por que queria a atenção dele e da minha mãe. Ele sempre sorria com todos os dentes, e contava as lágrimas junto comigo. Admirava ele, sempre foi um pai prestativo e um ótimo marido. Ele me ajudava sempre a parar de chorar.

Mas hoje não, hoje é o único dia do ano que contar, não acalma e que não me ajuda a parar, pelo contrário. Me afundo em mim mesma e quando penso, o dia já tem se passado e eu acordo na manhã seguinte de olho inchado e o nariz entupido. Só aí, vinte quatro horas de choro depois, o que não é muito agradável; mas é só quando consigo me levantar da cama e viver como a Gica, deixando aquele lado meu escondido como todas as vezes. É mais seguro.

Sinto um soluço vir e escondo o rosto no travesseiro, então como uma onda de dor e desespero, sou tomada por um novo tipo de choro. Ok, fase dois. O choro que me consome agora, é de saudade e de uma dor que não sei descrever em palavra nenhuma, ele sufoca e por isso escondo o rosto, porque gritar é a única forma que achei de expressar esse sentimento.

Achei, uma forma de dar fases ao meu choro, do dia de hoje. A fase um é a que me deixa paralisada, chorando sem sentir nada e tão pouco fome. Nos anos anteriores, essa fase durava no mínimo duas horas, esse ano foi mais longo, não que eu tenha cronometrado. A fase dois é a que me faz gritar, na tentativa de fazer a dor sair um pouco. A fase três, é a da autoflagelo, e não é que eu goste de me auto-agredir, mas porque dor física ajuda também. A fase quatro e última, é quando a paralisia volta e passo horas só chorando, até dormir. E lá se foram vinte e quatro horas, sem ver ninguém, sem falar nada, sem levantar da cama e sem comer.

Yazi e Henri sabem disso, mas não há nada que eles façam que mude algo, eu nunca disse o porquê de ficar tão mal esse dia do ano, eles me conheceram depois do pior primeiro vinte de Outubro da minha vida, então não tem como eles saberem o que aconteceu. Não tem como eles ou ninguém me ajudar, até porque, no dia seguinte eu já volto a ser eu mesma, e como ninguém me nota na biblioteca, passo despercebida com os olhos inchados. Os dias vinte de Outubro, sempre caem nas minhas folgas, então, já é uma desculpa para não ir trabalhar, e quando não caem eu me organizo para cair.

Nunca pensei que esse dia me afetaria tanto, o dia vinte de setembro deveria me afetar mais. Que foi o dia que meu pai morreu, dois anos antes do dia vinte ser algo ruim a se lembrar. Ele já estava mais velho, na verdade, não me lembro dele ser novo por muito tempo, já que quando eu nasci ele estava na casa do 40. Meu pai, meu doce e amado pai, morreu dormindo em um dia de chuva a uns anos atrás, eu parei de contar me dói ainda. Lembro que eu tinha doze anos.

Lembro de olhá-lo dentro do caixão, e pensar em todas as vezes que me mandou contar lágrimas, ou quando chovia, me mandava contar os trovões e relâmpagos. Eu sorria o olhando, e fazendo um carinho suave na sua testa e nos cabelos grisalhos, eu lembro de chorar e de que doía muito, mas eu permanecia sorrindo para ele. Não havia ninguém no mundo, que amasse mais o meu sorriso do que ele; que amasse mais me ajudar nos chororos infantis do que ele. Meu pai nasceu para ser pai, e eu o amava.

𝐈𝐆𝐔𝐀𝐑𝐈𝐀 ━━ Leo PereiraOnde histórias criam vida. Descubra agora