IV - E Se

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Do lado de fora, Eden assistia o fogo se erguer acima dos telhados das casas vizinhas, pouco a pouco ruindo e desabando em destroços com estrondos abafados. Nuvens de poeira se espalharam pelo ar, tomando as ruas. As cinzas subiam pelos céus junto a fumaça e as brasas. Seus olhos ardiam, a garganta coçava. O calor emanando de todos os lados era tamanho que nem nos piores dias de verão em Petras ela sentiu tal coisa.

Os estábulos foram postos abaixo. Soltos, os cavalos corriam em manada pelas ruas. Desgovernados, atropelavam quem entrasse em seu caminho. Mesmo na luz do dia o brilho alaranjado das outras áreas da aldeia em chamas se iluminavam como pequenos sóis nascentes. Clamores por piedade vinham de todos os lugares.

Eden persistia, batendo com os punhos nas costas do seu captor. Chutando desvairadamente o peito do homem com os joelhos na chance de conseguir ao menos ser posta de volta sobre seus pés. Nada do que fazia surtia efeito. Carregada igual a um saco de batatas para longe da casa onde nasceu, ardendo e sucumbindo ao fogo, ela se convencia de que estava abandonando o pai para morrer sozinho.

Seus vizinhos foram jogados na lama e desprezados. Um casal foi posto de joelhos em frente a um grupo de soldados que riam, zombando do estado amedrontado da mulher. O marido implorava pela vida da esposa. Nada lhes foi dito antes que o metal limpo das espadas logo ficassem manchados de vermelho. A visão do sangue quente se misturando às poças de água que se formaram durante aquela manhã ficou gravada na mente de Eden. Cheiros fortes infectavam o ar, prendendo-se às suas narinas. Feno chamuscado, o odor dos corpos queimados daqueles que não conseguiram fugir antes de serem cercados pelas labaredas, soterrados em seguida.

— Não deixem pedra sobre pedra! — ordenou um homem, um general, montado em um garanhão branco. Ele observava as tropas avançarem. Seus cabelos loiros, úmidos de suor, grudavam em sua testa, enquanto um sorriso satisfeito se estampava em seu rosto. Seus olhos verde-claros permaneciam fixos na movimentação dos subordinados. A capa, presa aos ombros, mal escondia o brasão em sua armadura: a imagem de um leão segurando uma espada entre as presas. O brasão do reino de Alemar. O símbolo da guarda real de Theriakin.

Suas ações eram claras, colocando um fim ao tratado entre os reinos.

Os livros mais antigos contavam a respeito do Tratado de Uni. Um acordo feito pelos quatro reinos — Alemar, Storclaw, Alore e Cormalhiya —, assinado com o sangue de seus reis e rainhas. Um juramento de não iniciar confrontos sem causa justa e oferecer assistência às demais terras afetadas caso violado. Apesar da prosa escrita propositalmente com estilo épico, nada mais fazia do que expor poeticamente a era dos Regentes e criticar a humanidade por sua ignorância.

Não haviam entrelinhas para serem interpretadas, porém alguém impôs significados inexistentes a ele. Como consequência, muitos desconfiados se rebelaram, gritando pelas ruas suas paranoias e teorias de conspiração sobre exploração de trabalho militar para subjugar a classe baixa. E um por um, tornaram-se dezenas, depois milhares.

Suas vozes tornaram-se um ato de guerra.

Eden finalmente estava devolta ao chão, mas sua liberdade foi breve, sendo agarrada pelo pulso e arrastada para um canto. O soldado se inclinou sobre ela e puxou o capuz de sua capa, cobrindo o rosto da garota, agora mais pálido do que o normal.

— Mantenha-se assim ou a próxima a apodrecer na lama será você — ameaçou com os dentes cerrados.

Eden, incapaz de articular uma palavra, apenas acenou com a cabeça. Juntos, eles avançaram pela terra desolada, coberta de cinzas expelidas pelos incêndios e sopradas pelo vento. Eden tropeçava repetidamente, ouvindo os murmúrios raivosos do guarda em um idioma estrangeiro com sotaque carregado. Enquanto percorriam a aldeia em silêncio, Eden observava com cuidado os caminhos escolhidos pelo soldado. Ele conhecia bem o terreno, preocupando-se em evitar ser avistado ao optar pelos trajetos mais longos e estreitos.

Solstícios de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora