V - Para onde não voltar

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Eden sentia-se suspensa no tempo, leve e flutuando. Sua mente estava silenciosa. Seu corpo acompanhava o movimento das águas calmas, ninada por seu balanço na serenidade que envolvia tudo ao seu redor. O azul profundo do dia cedia lugar às cores vibrantes do pôr-do-sol em tons de roxo, azul-escuro e vermelho ardente. O céu se transformava em um espetáculo, salpicado de trilhões de pontos pulsantes em um verdadeiro paraíso cintilante de estrelas que vez ou outra desprendiam-se de seus postos e cruzavam o infinito, desaparecendo antes de atingir o horizonte, onde a noite encontrava o dia.

Subitamente um zumbido agudo encheu seus ouvidos, interrompendo a calmaria. Um intenso clarão riscou o céu, antes perfeito. As águas se tornaram revoltas, criando ondas crescentes no mar sem fim. Eden foi jogada de um lado para o outro, a água salgada encharcou seus cabelos e invadiu sua boca pouco antes de puxá-la para baixo, engolindo-a.

Conforme se aproximava das profundezas, a temperatura se tornava congelante. A sensação de ter mil agulhas penetrando a pele nua de seus braços e pernas e a pressão de fora, se forçando contra seu crânio, dificultava seu raciocínio e fragilizava o controle que tentava manter sobre a respiração suspensa. Ela piscou sonolenta para a escuridão.

"Quero ir para casa", pensou, cedendo aos desejos de seu corpo de se desligar de sua mente. Seus membros eram como mármore. Pesados e frios. Seu peito ardia. "Me deixe ir para casa".

Eden fechou os olhos, esperando, rezando que alguém segurasse sua mão e a levasse de volta. Era inútil lutar.

"Não!"

Arfando, ela abriu os olhos, cegando-se com a claridade exagerada do ambiente. Piscou algumas vezes. Uma sensação estranha de desorientação a envolveu. Se levavantando lentamente, sentou-se e olhou ao redor. Tudo era branco - as paredes lisas, o teto, até mesmo os lençóis da cama em que estava. A sua frente havia uma porta fechada. A sua direita, altas janelas sem cortinas permitiam que a luz do dia adentrasse no cômodo e um céu azul com poucas nuvens era visto além delas. Ao lado da cama havia um pequeno gaveteiro com puxadores prateados. Sobre sua superfície foram postas toalhas meticulosamente dobradas.

Eden volta a atenção para si. Suor escorria por sua pele, deixando-a pegajosa. Os cabelos soltos caiam sobre os ombros e agarrava-se à testa, pescoço e braços expostos pelo pijama sem mangas. Tocando o próprio corpo, procurou por marcas e ferimentos, algo que trouxesse de volta o que estava faltando, pois uma grande lacuna foi aberta em suas memórias.

Nada.

Ela sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Jogando as cobertas para o lado, colocou os pés para fora da cama. O chão estava frio. O ar, fresco e estéril. Com passos hesitantes, aproximou-se da porta e tentou girar a maçaneta. Trancada. Sem saber o que mais fazer, voltou-se a se sentar na cama. Respirando fundo, concentrou-se em acalmar os pensamentos tumultuados. No entanto, pareciam peças de um quebra-cabeça, todas embaralhadas em sua mente, incapazes de formar uma imagem coerente.

Apesar do tique e taque do relógio preso à parede, o tempo parecia não ter significado naquele lugar. Um minutos, uma hora. A sensação de estar presa estava esmagando-a tanto por dentro quanto por fora. Foi então que ouviu passos entrarem em sincronia com os ponteiros do relógio. Levantou-se rapidamente, o coração batendo forte no peito. A maçaneta girou lentamente e sem rangidos a porta se abriu. Primeiro uma pequena fresta, depois por completo, praticamente sendo escancarada.

Um homem surgiu na soleira. Alto, quase batia a cabeça no topo da porta. Os cabelos foram raspados, mas já cresciam. Seus olhos âmbar contrastavam-se absurdamente com a pele negra. Ele trajava um uniforme semelhante ao dos capitães do exército, mas sem armas de qualquer tipo à mostra. Assim que a viu, piscou surpreso, detendo-se antes de pisar no lado de dentro.

Solstícios de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora