XXII - As Pegadas do Corvo

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O ar na imensa biblioteca de Theriakin cheirava a couro de encadernação, páginas envelhecidas e pó, que se acumulava sobre as prateleiras e seus títulos. Pelo jeito, ninguém entrava ali há algum tempo. As estantes formavam um labirinto pelo amplo espaço, preenchido por mesas, poltronas e aparadores sob as grandes janelas de vitrais colorido em formato de lancetas, permitindo que a luz do sol se infiltrasse, pintando as paredes revestidas de tons quentes e projetando padrões intrincados no chão de madeira.

Éden convenceu Kenneth a levá-la ali. Se o que foi dito sobre todos saberem do ataque, algo entre os livros possivelmente daria a ela uma melhor compreensão dos fatos, já que uma lembrança continuava a açoitá-la. Um nome que não pronunciava há anos. O nome de uma mulher que tratou Aristheu como alguém próximo, que o elogiou e o insultou na mesma frase e que se foi depois de tentar alertá-lo de um perigo incapaz de ser detido sem a ajuda dele. Segundo o próprio pai, o misterioso Lorde assassinado era um dos homens dela.

Mera.

A imagem de Aristheu com os dentes trincados enquanto pontadas de dor tomavam seu corpo invadiu a mente de Éden. Sua voz um som fantasmagórico seguia sussurrando: — Encontre-a.

Com sua fuga frustrada, Mera poderia vir a ser sua principal prioridade, porém investigar os rastros que apontavam para uma mulher que ela nem mesmo sabia o sobrenome não seria uma tarefa fácil e duvidava que só existisse uma Mera em todos os reinos. Sair pelos corredores fazendo perguntas estava fora de questão.

Sondando as estante uma após a outra, Éden retirava livro após livro, todos abordando o passado dos quatro reinos e suas batalhas através dos séculos. Rapidamente uma pilha se formou sobre a mesa central de carvalho. Entre as torres de volumes grossos e capas desgastadas, ela mal era visível, evocando memórias de sua infância, quando se perdia nas montanhas de conhecimento, desafiando-se a achar as palavras mais longas e complexas que fariam sua língua se enrolar.

Can emprestara a ela obras que narravam a fundação da terra e como uma nota de rodapé, a queda das Auroras. Esta última escrita por alguém pouco entendido do assunto e lida por ela a contragosto. Nada sobre o massacre de Petras parecia estar relacionado aos Regentes, no entanto os pedidos de Mera para que Aristheu assumisse seu lugar de direito impediram Éden de descartar suas teorias quanto a eles.

Avançando até os relatos da construção da cidade e registros de nascimentos e óbitos dos mais importantes membros da realeza, Éden buscava qualquer menção significativa. Os escritos mais recentes eram os próximos a serem examinados.

Nada.

A esperança começou a desvanecer. Frustrada, fechou o volume à sua frente com tanta força que as pilhas oscilaram, ameaçando cair sobre ela. Esfregando os olhos cansados, inclinou a cadeira, levantando as pernas dianteiras acima do chão, balançando-se para frente e para trás, ponderando sobre a escassez incomum do material.

O ranger dos tacos de madeira no chão a fez pular de pé. Ela girou o corpo para a estante às suas costas, puxou o abridor de cartas deixado na borda da mesa pela última alma viva que esteve ali e o ergueu à sua frente. Piscou, livrando-se do véu espesso de seus pensamentos e das letras dos textos que acabara de devorar, impressas em sua visão. Para sua surpresa, Kain estava arredado contra as prateleiras com ambas as mãos erguidas na altura da cabeça.

— Sua mãe não te ensinou a não chegar de fininho por trás das pessoas? — disparou Éden, cutucando o peito de Kain com a ponta afiada, mirando seu coração. Apesar das sobrancelhas arqueadas e dos olhos arregalados, o sorriso do príncipe ia de uma orelha a outra, exibindo os dentes com caninos salientes.

— Eu perguntaria o mesmo se não soubesse o que você fazia para viver — riu ele, direcionando o olhar para o objeto prateado. Seu brilho refletindo o perigo que apresentava nas mãos de Éden. — Parece que não precisava de sua adaga, afinal.

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