XIV - Realidades Perigosas

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Batidas pesadas ressoaram na porta antes do raiar do sol, ecoando no quarto silencioso onde Eden passou o resto da noite em claro. Com o sono roubado, seus pensamentos giravam em sua mente feito urubus atrás de carniça. O sussurro interior, antes longínquo e calmo, agora se manifestava agitado e impaciente, distinto e estranho. Anos tentando calar aquela voz dentro de si não foram suficientes para domá-la. Pelo contrário, Eden havia instigado um desejo ardente de liberdade na entidade que a habitava.

Sentada em uma poltrona diante da pequena sacada e imersa em seus devaneios, ela ignorou a porta até que o girar da maçaneta e o ranger das dobradiças a trouxesse de volta. Ela não se deu ao trabalho de olhar por sobre o ombro. Já sabia quem chegava para vê-la.

— Eden, precisamos conversar.

Um riso de sarcasmo escapou dos lábios de Eden. Levantando-se lentamente, ela jogou o tecido esfarrapado do vestido para o lado, virou-se e encarou o homem na soleira da porta.

— Agora você quer conversar?

— Eden — Aproximando-se, Griffyn tentou alcançar sua mão, mas Eden se afastou, recuando a passos pesados até a lareira. Seus olhos fixaram-se nas chamas. O crepitar suave do fogo preenchendo o ambiente, a lenha restante sendo consumida lentamente desde que Elora o acendeu horas antes. O suspiro pesado de Griffyn atravessou o quarto antes de sua voz. — Há coisas acontecendo, coisas que você não entende.

— Me faça entender. — suplicou ainda de costas. Eden estava exausta, só queria cair na cama e dormir. Queria sonhar com lugares bonitos e que gostaria de ver. Ela queria sentir a brisa da primavera nos campos abertos de Alore, ver as folhas alaranjadas caindo das árvores próximas ao rio no outono ameno e olhar a neve cobrir cada centímetro dos jardins com um lençol branco infinito no rigoroso inverno.

Mas ela estava ali, esperando para saber de seu futuro depois que todos já o haviam escolhido para ela.

— O conselho estava me pressionando. Queriam que eu a tratasse como quem você é.

— E quem eu sou, Griffyn? — questionou ela, voltando-se de frente para ele.

Eden congelou ao encarar a expressão que tomava o seu rosto. Os olhos, antes carregados de compreensão e cuidado estavam vazios. Os lábios que sorriram para ela diversas vezes em seus anos difíceis eram uma linha fina. A postura convidativa exigia distância. Uma inquietação se enraizou no corpo de Eden, algo pior do que sentia em seus treinamentos ou diante da fúria que Finn tinha por ela. Ela não mais o reconhecia como o homem que a salvou. Ele era o capitão da guarda, um soldado assim como os outros.

— Parre de uma transação.

A falta de emoção em sua voz foi como um soco no estômago de Eden. O ar do quarto se tornou escasso demais, denso demais. As palavras ecoando em sua mente, cada sílaba se repetindo.

Transação.

— Você me vendeu?

— Eu a protegi pelo tempo que me foi possível, mas esperavam resultados vindos disso. — Rugas de frustração marcaram o rosto de Griffyn. Não pela reação de sua antiga protegida, mas por ser ele o encarregado de dar a notícia. — Lhe ofereci sobrevivência e você foi egoísta demais para apreciar, se agarrando essa... moralidade sem sentido.

— Você me ofereceu uma espada! — esbravejou Eden. A sensação de traição se agarrou ao seu peito feito um nó apertado. As palavras de conforto ditas e os gestos aparentemente inocentes de Griffyn durante todos aqueles anos ganharam um novo significado.

— O que achou que encontraria na Corte?

— Eu era uma criança! Eu estava sozinha e assustada. — continuou ela, mantendo a postura apesar do peso palpável que pairava sobre si. — Me agarraria a qualquer coisa. A qualquer um que me estendesse a mão.

Solstícios de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora