Éden se lembrava daquele rosto mais jovem. Seus cabelos, agora grisalhos, e rugas se mostravam nos cantos da boca e dos olhos verde claros. Os ombros firmes e fortes não estavam cobertos por uma armadura e não havia uma capa presa a eles. Entretanto, ela não tinha como estar enganada. O homem que a estudava de cima a baixo com cautela, olhando-a tão fixamente quanto ela o encarava, foi o general que orientou o massacre em Petras. Era o mesmo soldado que, sobre um cavalo branco, foi responsável por dar ordens a seus subordinados. Observando enquanto vidas eram tiradas sem piedade.
— General Davos! — Kenneth saltou da poltrona, se colocando de pé em frente a ele. — Voltou a muito tempo?
— Há alguns dias — respondeu ele com a voz rouca pela velhice, mas ainda potente. Os anos não o fizeram se curvar, pelo contrário, parecia mais ameaçador do que naquela época. Ultrapassava Kenneth em altura por vários centímetros. Ele franziu a testa um pouco mais diante da insistência do olhar de Éden. E se ele a reconhecesse? E se dissesse a todos quem era ela e onde estava nove anos atrás?
As palmas de suas mãos suavam. Suas entranhas se reviraram. Éden procurou instintivamente pelo cabo de suas adagas. As mãos agarraram o vazio em suas coxas. Ela procurou disfarçar a decepção de se sentir vulnerável. A reação não passou despercebida. Davos inclinou a cabeça, mais curioso do que alerta.
Éden inspirou profundamente o ar cheirando a lilases, expirando lentamente até que seu coração se aquietasse. Por fim, Davos desviou o olhar para Kenneth.
— Onde está o príncipe?
— Falando com o rei. — Kenneth desafivelou a bainha da espada, colocou-a sobre a mesinha em frente ao sofá e voltou a se sentar na poltrona. — O encontro mais esperado, porém o mais evitado desde o casamento de Lady Vissia com o Duque de Fiori.
— Depois de um ano é normal que um pai queira ver seu único herdeiro — argumentou Davos.
— Até começarem os gritos — riu Kenneth, espreguiçando-se sobre o assento. — Acha que conseguiremos ouvir daqui?
— Kenneth — advertiu o general.
— Eu sei que pensou o mesmo — Kenneth apontou um dedo acusatório para Davos.
— Pensar não é o mesmo que anunciar para todos escutarem. — O general deu dois passos para mais dentro do cômodo. Como um imã, seus olhos voltaram a encarar Éden, parada feito uma estátua no fundo da sala. — E ela, quem é?
Éden piscou para organizar seus pensamentos. "Você não é mais aquela criança, Éden. Eles mal viram seu rosto. Ninguém saberá se você não contar." A tensão em seus ombros não se dissipou, mas com um gesto firme, ela cruzou os braços sobre o peito e fincou os pés no chão.
— Éden D'rell — disse ela.
— Éden — repetiu ele, cruzando os braços sobre o peito, a camisa se colando aos músculos feito uma segunda pele. Em seguida virou o rosto para Kenneth. — Se ele descobrir que você está trazendo suas namoradas aqui novamente...
— O que? — Kenneth se sobressaltou, atrapalhando-se com o estofado da poltrona ao se levantar, as mãos erguidas. Ele ria, desconcertado. — Não! Ela não é minha... namorada.
Éden observava a cena atentamente. Parte dela queria rir e dizer algo para descredibilizar as possibilidades de Kenneth de um dia atrair sua atenção romanticamente. A outra parte a fez corar. Kenneth se mostrou uma boa companhia. Em poucos dias após conhecê-lo, trocaram confidências. A maioria irrelevante para o acervo de informações que Éden precisava, porém Kenneth a fazia se sentir... menos afetada com a situação.
— Foi o que disse da última antes de ser flagrado atrás do armazém.
— Pelos deuses! — Kenneth passou as mãos sobre o rosto e cabelo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Solstícios de Sangue
FantasyAos onze anos de idade, Eden D'rell testemunha o assassinato de seu pai e a destruição de sua aldeia pelas mãos dos soldados de um rei estrangeiro. Fugindo em meio caos, a garota é salva por Griffyn Daviers, Capitão da Guarda de Alore e levada ao c...