XVI - Vinho e Sangue

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— Pronta? — perguntou o soldado por trás da porta encostada, onde passou quinze minutos apressando-a para que trocasse de roupa.

— Ainda nem estamos em território Alemarino e eu tenho que vestir suas cores — resmungou Éden, ajeitando a gola da camisa vermelho escuro e abotoando o colete de couro preto. As calças eram de um tecido semelhante ao usado em Ghris, possibilitando-a mover-se com liberdade se precisasse lutar, escalar paredes ou pular de lugares altos. Uma faixa vermelha na coxa esquerda mostrava a posição onde alguma bainha deveria ser usada. Perfeita para sua adaga, porém em Ghris Éden não foi obrigada a exibir o brasão do reino em todas as suas roupas como agora fazia. O símbolo que trouxe sangue a sua vida bordado nas costas de seu colete a marcava, deixando-a nauseada tanto quanto o balançar do navio nas últimas horas.

— Você pertence a Theriakin, deve se vestir adequadamente.

— Por quê insistem em me lembrar disso?! — rosnou ela.

— Teimosa do jeito que é, receio que possa se esquecer e acabar fazendo alguma burrice.

A porta rangeu. Kain entrava na cabine com uma xícara em uma mão e um casaco na outra. Em trajes mais informais, aparentava ser um homem diferente daquele que bebia com os Antares na taverna de Gwyn, mas também totalmente diferente do príncipe de Theriakin presente na noite do festival de verão. A camisa preta de linho destacava os músculos sob o tecido leve de maneira quase exagerada. As calças tão escuras quanto, ajustavam-se perfeitamente ao seu corpo, presa por um cinto de couro com fivela dourada. As botas eram semelhantes às de Éden, porém novas e mais bem cuidadas.

— Majestade — curvou-se o soldado.

— Julius, ajude Albe no convés — ordenou Kain.

Com mais um reverência o soldado deixou a cabine, fechando a porta atrás de si. Éden torceu o nariz e começou a amarrar os cadarços das botas um pouco desconfortáveis, tomando o devido cuidado para não deixar que sua adaga ficassem à mostra.

— Chá da noite? — perguntou ela, debochando na louça requintada demais, sendo do tipo que Elora usaria em um encontro com suas amigas para fofocar.

— Isso é para você. — Kain colocou a xícara sobre a mesa. — Corrija-me se eu estiver errado, mas nunca esteve em alto mar. Isso ajudará no enjoo.

Éden alternou o olhar entre Kain e o líquido escuro à sua frente. O aroma da bebida quente já impregnava o ar, uma mistura doce e cítrica. Ela franziu a testa. Um sorriso cético pairou nos lábios de Kain.

— Não está envenenado.

— Cuidado nunca é pouco. — Eden deu de ombros.

— Jogar corpos ao mar não está no itinerário da viagem. — Kain se inclinou e empurrou a xícara um pouco mais em sua direção. Éden suspirou, segurou a xícara e a levou aos lábios. Em um único gole, esvaziou-a, saboreando o gosto de amoras e laranja que inundou sua boca. — Bom. Vamos?

Kain liderava o caminho enquanto Éden marchava na retaguarda sob os olhares desconfiados de dois soldados. O que pensavam que ela faria? Atingiria o príncipe pelas costas e fugiria? Pularia no mar e nadaria até a costa de Alore? Em menos de duas horas haviam percorrido um longo trecho da rota para que a ideia sequer passasse por sua mente.

Subindo as escadas do convés, adentraram uma cabine consideravelmente maior do que a designada a ela. Luminárias estrategicamente posicionadas espalhavam a luz das chamas por todos os cantos, eliminando qualquer sombra que pudesse se formar. As paredes exibiam adornos de ouro, feito uma armadura sob medida para uma besta marítima. Poucas janelas emolduravam a penumbra que engolia o horizonte. Quadros retratando figuras masculinas a cavalo, empunhando longas espadas sobre suas cabeças em gestos de vitória ou desafio a multidões exaltadas eram exibidos em um canto. No centro, uma mesa retangular coberta por um tecido bordado, dois lugares dispostos frente a frente aguardavam seus ocupantes.

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