III - Estopim

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Logo que Aristheu ajeitou os potes sobre a prateleira, a porta da casa foi chutada com violência. Éden pulou do assento e correu para o lado do pai. Dois homens de armaduras brilhantes, espadas presas aos cintos de couro e com movimentos agressivos atravessaram o batente. Os olhos inquietos e endurecidos por sua profissão varreram o espaço até pararem sobre o homem de pé no canto do cômodo e a criança agarrada a ele. Éden apertou o braço de seu pai e se encolheu atrás dele. Aristheu permaneceu calmo, observando os intrusos.

— Bater teria sido o suficiente — comentou Aristheu trivialmente ao notar o trinco de ferro da porta pendendo com um único prego ainda no lugar.

— Temos ordens de vasculhar todas as casas da aldeia. — Informou um deles. Os cabelos loiros cortados na altura dos ombros, uma marca de nascença no lado direito do queixo. A boca em uma linha séria.

— Qualquer um que interferir, será punido — advertiu o segundo. Ele apertou os dedos sobre o cabo da espada e ergueu o queixo, reforçando a autoridade excessiva que exercia, apesar de sua baixa estatura. Uma tatuagem de serpente subia por seu pescoço, até o couro cabeludo, sumindo em meio ao cabelo castanho escuro.

Aristheu suspirou. Erguendo a mão livre em sinal de colaboração, se dirigiu aos soldados.

— Se me disserem o que procuram, talvez eu possa ajudá-los a encontrar.

Os soldados trocalham olhares.

— Eu acho que não — riu o loiro. Caminhou pelo cômodo, abrindo os armários, olhando as prateleiras e embaixo da mesa. Passou a sondar os livros empilhados próximo a parede que dividia a cozinha da sala de estar. Nada ali parecia interessar a ele. Voltando-se ao colega parado em frente a porta, acenou com a cabeça para as escadas. O soldado obedientemente marchou até ela, pulando os degraus de dois em dois até o topo.

Éden permanecia estática atrás do pai, observando a movimentação dentro de seu lar com o coração acelerado. O que querem? Por que estão aqui? Por que papai não os detém? Pensava ela repetidas vezes. Encolheu os ombros assim que os passos pesados do soldado no andar de cima juntou-se ao barulho de coisas sendo derrubadas e dos poucos móveis sendo arrastados sobre o piso.

— Papai? — sussurrou Éden, tremendo ser ouvida, puxando a manga da camisa de Aristheu. Ele afagou o topo da cabeça dela. Um ato para a acalmar, mas que não teve o efeito esperado.

Ela se sentia menor do que era sob os olhares curiosos e ao mesmo tempo desconfiados do soldado que não parava de observá-los. Pouco tempo depois o segundo soldado voltou ao andar de baixo segurando um pedaço de papel dobrado entre os dedos e o entregou ao companheiro. Imediatamente, Aristheu se fez tenso, seus sentidos aguçados em alerta máximo, os dedos se apertavam com força, deixando marcas na palma de suas mãos.

Ambos os homens fitaram o olhar no quer quer que estivesse escrito ali com extrema atenção. Seus olhos arregalaram-se antes de serem voltados para Aristheu. Testas franzidas e mandíbulas trincadas.

— O capitão ficará feliz com isso — cantarolou o homem baixo, sacudindo o papel no ar antes de dobrá-lo e escondê-lo dentro do peitoral da armadura. Espadas foram desembainhadas e erguidas. Sorrisos se abriram em seus rostos, transformando-se em expressões crueis, transmitindo uma determinação perigosa, quase diabólica.

Apesar da pouca idade, Éden reconhecia os avisos humanos que demonstravam o que nem mesmo os predadores do reino animal possuíam.

O egoísmo e a ganância irrefreáveis.

— Pegue a garota — ordenou o loiro.

— Não vão encostar nela! — Aristheu empurrou Éden para trás, retirando de dentro de sua bota uma adaga prateada. — Saiam.

Solstícios de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora