IX - Sussurros Alheios

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Ao colocar os pés do lado de fora dos muros do castelo, Eden saboreou sua liberdade por alguns instantes. O calor do verão dava sinais de que aquele ano seria mais quente do que os anteriores. Os raios do sol atravessavam a pele exposta de seus braços, dando-lhe a sensação de aconchego que há muito não sentia. Depois do confronto na arena, uma dispensa de quatro dias foi dada a ela. Benefícios este que Eden aproveitou para dormir o máximo que podia. Os hematomas, antes evidentes, agora mal podiam ser vistos.

Um cavalo relinchava e trotava ao seu lado, animado para o passeio após longas semanas de confinamento e caminhadas curtas pelo pátio onde os treinavam. Suas feridas estavam completamente curadas e, assim como Eden, ele lutou para continuar vivo. Dado a ela por Griffyn como um presente de boa fé, Eden lhe deu o nome de Ren, tendo então algo mais de seu antigo lar além de memórias, tanto belas quanto dolorosas. Depois de bem cuidados, ambos se tornaram inseparáveis. Eden o visitava nos estábulos quando sobrava tempo entre entre os treinamentos e se recusava a montar qualquer outro cavalo

— Vamos garoto. — Afagando-lhe o pescoço, Eden montou no companheiro de quatro patas e o atiçou a correr.

A estrada que a levaria até a capital do reino de Alore era longa, cerca de uma hora de cavalgada constante, mas ela não estava com pressa. Queria aproveitar cada segundo longe das aulas exaustivas e dos olhos espiões contratados por Griffyn que monitoravam cada passo seu. O tempo passou rápido e logo Eden avistou os muros de Enenon. Seus portões medindo mais de cinco metros de altura e três de comprimento estavam abertos. Sete guardas faziam sua segurança. Dois deles ela conhecia, sendo antigos recrutas de Ghris, promovidos meses antes. Os demais, via-os de passagem nos dias em que as tropas se juntavam para apresentar os relatórios quinzenais.

Era possível contar nos dedos a quantidade de aprendizes que restaram naquele ano. As batalhas e confrontos ocasionais se transformaram em eventos frequentes. Muitos saíam para patrulhar as fronteiras e poucos voltavam. Menos ainda se alistaram para continuar o trabalho. Haviam aqueles que desertavam assim que pisavam em campo, percebendo que as batalhas não eram tão gloriosas quanto imaginavam. "Não temos pessoal suficiente para ir atrás de "covardes". A proteção do reino é a nossa prioridade", dizia Griffyn sempre que um novo caso de desfalque nas tropas era aprsentado a ele. Entretanto, ao capturar algum dos fugitivos, a sentença era imediatamente executada.

Desmontando, Eden continuou o restante do trajeto a pé. Não lhe foi pedido nenhum tipo de documento, pois não precisava. Deixou Ren aos cuidados do cavalariço das tropas e prosseguiu em direção às ruas da cidade. Ela conhecia cada beco, esquina, loja e taverna como a palma de sua mão. Sabia onde ficavam os mercados clandestinos e quais eram os vendedores mais confiáveis. Muitos dos truques que usava para desviar os olhos dos outros de suas adagas aprendeu nas casas de jogos ilegais e com homens de caráter duvidoso. Por mais estranho e improvável que parecesse na época, eles eram as melhores companhias nas noites de comemorações anuais.

Com os olhares sempre voltados para qualquer um fadado a vestir-se como ela, ter por perto pessoas taxadas de coisas piores era um alívio. Assim como um guarda com sua armadura ou um ferreiro com seu avental, todos diriam ser óbvio o que faziam para viver. Mesmo sabendo que parte desse alento vinha de sentimentos egoístas, ela não se importava de usá-los como escudos.

Uma rua após a outra, Eden ultrapassou pedestres e carruagens até chegar ao beco de Ambrase. Um lugar visto como o submundo do comércio, onde tudo podia ser encontrado. Legalmente ou não. Antares, soldados de patente alta que rondavam as ruas da cidade, não patrulhavam por lá, permitindo aos "mãos-leves" sinal verde. Porém, até ali existiam leis chefiadas por aqueles como ela, mercenários de Ghris. Claro que sem o conhecimento da corte.

Ambrase ligava o Mercado Central à Praça das Fontes, separados somente por um velho e alto portão de ferro já corroído pelo tempo. O caminho era tão estreito e mal cuidado que duas pessoas precisavam caminhar lateralmente ou subirem nas soleiras das lojas se quisessem passar ao mesmo tempo.

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