VI - Os ecos que persistem

10 2 1
                                    

Os sais de banhos encheram o salão com o aroma de lírio e jasmim. A água quente demais ardia na pele de Eden, mas a sensação era boa. Ela ouvia o barulho da porcelana fina, do farfalhar das sedas e sentia o cheiro de perfumes caros se misturando no ar. Do outro lado do salão, escondida pelo biombo decorado, uma mulher caminhava de um lado para o outro com tecidos e potes de vidro em mãos, arrumando-os sobre uma larga mesa ao lado de um alto espelho de corpo inteiro.

Elora era seu nome.

Ao conhecê-la, Eden não fazia ideia de sua função. Não era uma nobre, mas também não foi tratada como criada. Satisfeita por ser a única pessoa que não tentou fazê-la falar sobre si mesma, Eden aceitou sua gentileza. Assim como aceitou a mão de Griffyn enquanto a acompanhava pelos corredores do castelo. Durante a breve caminhada, ele se manteve aberto a toda e qualquer pergunta, mesmo aquelas que Eden temia ouvir a resposta.

— Você teve sorte por nos encontrarmos. Mais alguns minutos e... — Griffyn se calou e abaixou o olhar com um "sinto muito" beirando sair por seus lábios. Como ela sabia? A expressão que estampou o rosto do homem sempre era seguida de palavras do tipo.

Uma sorte de Eden não ser enterrada nos escombros em chamas de seu lar junto ao pai. Foi sorte um cavalo surgir e libertá-la. Mais atos de sorte se seguiram, como as ruas as quais passou estarem desertas enquanto toda a aldeia era rendida e um último ato de sorte quando encontrou a única casa ainda de pé em um mar de telhados despencando e paredes arruinadas.

— Não — disse ela em resposta. — Se algo como "sorte" existe, ela nunca esteve do meu lado.

Sua mãe foi levada pela doença e seu pai, assassinado. Um Regente que não pôde salvar sua casa, ou se salvar. Onde estava a ajuda dos céus no momento de sua morte? Onde estava o poder divino que era visto como a esperança da humanidade? Um tornado em sua cozinha e uma chuva de cacos de vidro. Essa foi toda a ajuda que teve.

Eden trincou os dentes até rangerem. Seus olhos arderam e mais lágrimas brotaram. Engolindo o amargo da sensação de abandono, as impediu de escorrer, prosseguindo com a lavagem da sujeira em seus cabelos. Soltos e molhados pesavam mais do que se lembrava. O preto brilhante havia sumido, sobrando agora mechas ásperas e sem vida. Ela redobrou o cuidado ao tirar o excesso de água, torcendo-os e prendendo-os no topo da cabeça com um grampo que pegou de uma das penteadeiras, antes de entrar na banheira. Com uma esponja macia, esfregou os braços, lavando o suor de dias. Dias adormecida no quarto branco. Dias sendo amedrontada por criaturas estranhas e pessoas que não conhecia, mas que procuravam por ela em seus sonhos.

Então foi despertada, odiando cada momento de consciência.

O mundo não era mais o mesmo e Eden não o queria como estava. Chegou a pensar que morrer com seu pai não teria sido um fim tão trágico quanto acreditava. Estaria junto de sua família, do jeito que deveria desde o começo.

— Está enganada.

Sobressaltando-se, Eden soltou a esponja que caiu e afundou, perdendo-se na água em tom leitoso. Elora atravessou o biombo com uma toalha em mãos e um olhar preocupado no rosto. Os cabelos ruivos, longos e ondulados escorreram soltos por seus ombros ao se abaixar para recolher o pijama jogado no chão. O azul de suas íris encontrou com os castanhos de Eden. As sardas bem aparentes na pele clara e as bochechas rosadas artificialmente por algum tipo de pó ressaltaram-se ao sorriu. Um sorriso fraco e triste.

— Enganada sobre o que? — perguntou Eden, afundando-se mais na banheira.

— Sei que tipo de maluquices estão passando por essa cabecinha jovem, mas acredite em mim quando digo que nenhum desses pensamentos trará algo de bom.

Solstícios de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora