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Desde que Greta partiu, fiquei sozinho na casa, apenas eu e o boneco Brahms. Tentei consertar seu rosto, mas o resultado ficou longe da perfeição. Em seguida, selei todas as passagens secretas que me permitiam mover-me dentro das paredes, preparando-me para a inevitável chegada da polícia. Antes de fechar as entradas, retirei tudo o que pude, o que me permitiu permanecer oculto. Restou apenas um acesso escondido na sala, sob a lareira, que levava a um porão secreto onde me refugiei por um longo período. Só saía à noite em busca de comida, contentando-me com frutas ou pequenos animais quando os encontrava, mas havia noites de fome quando nada aparecia. Com pessoas vindo para preparar a casa para venda, tornou-se mais arriscado sair, pois não sabia se poderiam aparecer também à noite.

Foi apenas alguns dias atrás que me arrisquei a sair durante o dia. Foi quando vi duas pessoas chegando: um homem loiro e uma mulher de pele clara com cabelos escuros. Ela era deslumbrante... Desde aquele momento, senti que precisava dela, que ela deveria estar comigo. Esperei que subisse, talvez até o meu quarto, mas ela não veio. Depois de algum tempo, reuni coragem e saí do esconderijo, permanecendo no quarto. Podia ouvi-la conversando lá embaixo. Quando percebi que estava de partida, corri para a janela e a observei através do vidro.

Pensei que ela poderia ter me visto, mas não foi o caso. Desde então, arrisquei-me a sair a qualquer hora, apenas para olhar pela janela e ver se ela voltaria. Após uma semana angustiante, ela retornou. Anseio por vê-la de perto, tocá-la, senti-la, mesmo sabendo que não devo. Sinto-me como um monstro, talvez eu seja um. Por isso Greta fugiu, por isso ela me atacou e me deixou. Mas aprendi muito desde então; não quero ser um monstro para a nova moradora, não quero que ela tenha medo de mim. Quero que ela goste de mim, que me ame.

Quando ela entrou no meu quarto e começou a inspecionar tudo, percebi sua curiosidade. Antes de sua chegada, coloquei o boneco Brahms debaixo da cama, esperando que ela o encontrasse. Hesitei em deixá-lo sobre a cama, como inicialmente planejado, sem saber se ela se assustaria. Ela não se assustou ao vê-lo, mas parecia pensativa. Quis saber o que ela pensava. Vi-a murmurar algo, mas não consegui ouvir, e logo um barulho no andar de baixo a fez largar Brahms na cama e descer às pressas. Embora tentasse amadurecer, como meu pai sempre dizia antes de ele e minha mãe me deixarem com Greta, senti irritação ao vê-la jogar o boneco na cama. Queria que ela soubesse que eu estava ali, que percebesse que não podia fazer aquilo. Então, coloquei-o sentado na cadeira.

Logo me arrependi daquela ação. Estava regredindo ao velho Brahms, que ainda agia como um garoto de oito anos. Não queria ser aquele Brahms; queria mudar. Se conseguisse, ninguém mais fugiria de mim, e eu não ficaria mais sozinho. Refleti sobre isso enquanto ela estava lá embaixo. Decidi retirar o boneco da cadeira, mas ouvi passos e não pude desfazer o que tinha feito.

Dylan, o homem loiro, entrou no quarto, e senti vontade de destruir a parede como já fizera antes, e depois, destruir a cara dele. Não era justo ele poder estar tão perto dela e eu não. Contive-me. Louise parecia assustada ao ver Brahms na cadeira, e senti-me mal por causar-lhe tal desconforto. Eles conversaram por um tempo, e Dylan não acreditava nela, o idiota. Ele saiu, e ela foi atrás dele. Senti irritação novamente. Por que ela se importava se ele acreditava ou não?

Acabei percebendo que foi uma ideia terrível, só consegui deixá-la assustada. Notei também quando ela voltou ao quarto e colocou o pequeno Brahms debaixo da cama. Serei mais cauteloso com minhas ações de agora em diante, pois não quero ser um terror para Louise, não quero ser o monstro debaixo da cama dela.

Ela acabou adormecendo em minha cama, aparentando exaustão. Passou o dia inteiro no andar inferior, organizando itens em caixas, tão absorta em sua tarefa que não notou minha presença espreitando do canto da escada. Observá-la dormindo, tão serena, despertou em mim o desejo de tocá-la, mas eu não queria acordá-la e causar-lhe medo. Pude sentir seu perfume, ouvir sua respiração tranquila e estive a ponto de tocar seus lábios. Quase não consegui dormir, consumido pela curiosidade do sabor que seus lábios teriam.

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A noite no sofá não foi tão desconfortável assim, uma vez que a sensação de estar sendo observada desapareceu. Louise convenceu-se de que a casa, vazia há tanto tempo, poderia ter se tornado refúgio de roedores. E se há um animal que pode causar a sensação de estar sendo vigiado, é o rato. Contudo, essa ideia não a encorajou a voltar para o quarto ou qualquer outro cômodo do andar superior.

Ao acordar, ainda não eram seis da manhã, mas o sol já brilhava com seus primeiros raios. Como não planejara ficar, não havia muita comida disponível, e as sobras do almoço do dia anterior não pareciam uma opção apetitosa para o café da manhã. Subiu para buscar o celular no quarto, mas não o encontrou. Vasculhou por cima da cama, na cômoda e até debaixo da cama, onde só encontrou o pequeno Brahms de rosto de cerâmica.

- Caramba! - exclamou, assustada ao vê-lo. - Eu tinha me esquecido de você... Vem aqui... - retirou o boneco de debaixo da cama. - Sem sustos agora, está bem? Ela riu da própria atitude de falar com o boneco como se fosse uma pessoa real. - O que estou fazendo? É só um boneco. - colocou-o sobre a cama.

Continuou a busca pelo celular em todo o quarto, mas não o encontrou, embora estivesse certa de que o havia deixado ali. Sentou-se na cama e olhou para o boneco. - Você pegou meu celular, por acaso? - brincou. - Bem, se você não pegou... acho que vou ter que ir até a cidade. - Fique quieto aí. - apontou o dedo para o boneco antes de sair e fechar a porta do quarto.

Louise dirigiu até a cidade e entrou em um mercado. Enquanto escolhia o que precisava nas prateleiras, alguém se aproximou, e ela reconheceu a voz familiar. Era Dylan, segurando uma cesta com poucos itens e comentando sobre o preço do molho de tomate.

Uma Vez Com BrahmsOnde histórias criam vida. Descubra agora