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Sinceramente, é nesses momentos que o arrependimento bate forte.
Depois de um dia mega cansativo, vagabundo tá me tirando de otaria.

Já passa das sete da noite e eu tô plantada no portão de casa esperando o tal cara que vai vir me buscar pra dar as aulas lá pro moleque, que agora pensando melhor, eu nem sei o nome ou a idade.

Na noite passada depois que voltei pra casa não esbarrei com minha mãe e nem com Rebeca, graças a Deus. Durante a manhã não trocaram sequer uma palavra comigo, normal.

Depois da escola eu cumpri meu expediente no bar, e consegui chegar a tempo de tomar um banho demorado e fazer uma hidratação no cabelo. Amo minha juba, mas mal tenho recursos e tempo pra cuidar, isso me chateia pra caralho. Meu cabelo é minha base, meu alicerce.

Mais cedo durante o caminho pra casa eu acabei avistando o Falcão com um grupo de traficantes na entrada da minha rua. E só aí eu me toquei que não sei onde ele mora e nem em que horário eu devo ir.

Não faço o tipo tímida, mas chegar em uma roda de homens também não é o meu forte.

Mas eu sinceramente não tive muitas opções não:

- Boa tarde - me aproximei dos caras

O assunto deles se encerrou - dá espaço pra mina, porra - escutei o Falcão dizer - fala - ele me cumprimentou, e logo a rodinha se desfaz, sobrando apenas nós dois ali

- Então, eu queria saber o horário das aulas - expliquei

- , por mim pelas sete bom - ele tragou o cigarro que estava entre seus dedos, com os olhos fixos em mim - vou mandar te buscarem no teu barraco - concordei com a cabeça, e me virei pra seguir meu caminho - Espera - ele me chamou - batata, leva a mina na rua seis, deixa ela na casa dela - ele falou, pra um dos vapores que estava um pouco afastado

- Não precisa não - neguei

- Relaxa , vai subir a não - ele rebateu

Depois disso o tal batata me trouxe até em casa.

Sai dos meus devaneios com um farol piscando na minha cara. Conheço bem aquela moto, tá explicado o porquê da demora - caralho, tava dando o rabo? - questionei, puta da vida

- Aí minha irmã, quando eu soube que era tu que ia pra casa do patrão, quase bati minha preciosa - ele contou, espantado e alisando sua moto

Foi impossível não rir, João Pedro é muito mariquinha, papo reto - tá pensando merda - dei um tapa em seu pescoço, enquanto subia na moto, ajeitando minha mochila nas costas. Não sei quais são as matérias que o garoto precisa estudar, então tô levando todo o material que eu tenho - tô indo dá uma força pro filho do Falcão, né nada disso que tu tá imaginando não - segurei nos ferros, na parte de trás da moto

- Ah, sei lá né, se ele curtisse até eu dava uns pega nele, aquela assistência né - ele brincou, me fazendo rir - segura em mim pô, tá parecendo uma velha

- Eu não, sai fora.. - quase fiquei pra trás quando ele arrancou com a moto - marginal filho da puta - agarrei em sua cintura

Ele cortou por alguns becos e na velocidade da luz a gente já tava chegando na parte mais alta do morro, tão alta que eu nunca nem pisei aqui. E caralho, graças a Deus que não, se na favela já tem traficantes a rodo, aqui em cima parece formigueiro. Com certeza é a contenção que faz a segurança do Falcão, mas eu não imaginava que precisava de tanta segurança aqui. Papo de mais de trinta homens espalhados pelas ruas. Sem contar que as casas por aqui são mais bem cuidadas e maiores. Uma em si, se destaca - chegamo - João Pedro estacionou a moto na frente de uma casa, grande demais pra estar em uma favela

- Ele mora aqui? - questionei, surpresa - Caralho, como faz pra arrumar uma dessas casas? - passei o olho por toda a rua, parecia aquelas ruas lá da pista

- Dando pro patrão - ele disse, na maior naturalidade

- Tô muito bem na casa da minha mãe - brinquei, descendo da moto - você vai me levar de volta? - pergunto

- Acho que não, tô de plantão hoje - ele ajeitou a pistola em sua cintura - aí, tem certeza que vai conseguir lidar com o Brian? -

- Quem é Brian? O filho do Falcão? - arqueei a sobrancelha

Eu tô perdidinha nessa história

Antes que o João Pedro dissesse mais alguma coisa, os portões da casa abriram, e o Falcão apareceu - tá atrasada hein - me encarou

- Foi mal, o seu vapor demorou pra me buscar - engoli minha vontade de revirar os olhos. Primeiro ele diz que as coisas podem ser da forma que for melhor pra mim, agora vem reclamar, vê se pode.

- Entra aí - ele deu espaço - tá de plantão hoje Pedrin, fica esperto - disse, antes do João Pedro meter o pé - fica a vontade aí, mas não muito - passei por ele

Os muros haviam me impedido de ver o quão grande era o quintal, tinha até algumas plantas, o caminho até a porta da frente era enfeitado por algumas pedrinhas. Bem coisa de rico, nem parecia moradia de traficante - licença - disse, quando ele abriu a porta pra mim entrar, perdi o juízo por estar na casa de um bandido, mas não perdi a educação, ainda.

- Pô, repara na bagunça não - ele disse

Por dentro era tudo mais bonito ainda, na real, tô pensando em virar bandida. O piso todo no mármore, parede branca, papo de lustre no teto e tudo, namoral. Escada na sala, televisão enorme, sofá maior ainda.

- Caraca..- deixei escapar

- Achou o que? Que eu morava em um barraco caindo aos pedaços? - ele parou na minha frente - faço meu dinheiro valer a pena pô - não respondi

Ele caminhou até o pé da escada - Desce aí, Brian - ele chamou

Eu não sei oque eu esperava encontrar, mas com certeza não era uma criança que com certeza não passa dos sete aos.

- Essa aí é a mina que eu te falei - ele pegou o garoto no colo - vai te dar uma força nos estudos, já que tu tá com dificuldade - Falcão disse

- Boa noite - forcei um sorriso pro garoto - tudo bem com você?

O garoto não respondeu, apenas enfiou o rosto na curvatura do pescoço do Falcão

- Fala com ela, Brian - Falcão insistiu - a mina é firmeza, vai te ajudar pô - insistiu

- Meu nome é Isabella - já estava de saco cheio desse mina dele

- Tô ligado, mina - ele respondeu, sarcástico. Idiota

- Qual a dificuldade dele? - mudei de assunto

- Pô, bagulho complicado, ele não interagi na escola, não faz os trabalho, tá atrasado pra caralho - ele tentou explicar - senta aí - ele se sentou no sofá ainda com o filho nos braços, e eu fiz o mesmo, um pouco mais afastada - ele é um pouco complicado, tem dificuldade de se enturmar

- Qual a serie dele? - tirei a mochila das costas

- Segundo ano - concordei com a cabeça

- Eu acho que de início preciso me aproximar mais dele - sugeri - pra ele se sentir mais confortável

- Tô ligado, ele não é de dá muita abertura pra estranhos - encarou o filho, que agora estava distraído brincando com a barra da própria camisa

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Crime PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora