Ao longo de três longos dias, e sessões escondidas e demoradas Felipe começou a aprender muitas coisas com seu novo professor – Ícaro.
Ícaro passou horas a finco com o selvagem, até mesmo uma longa madrugada. Ensinou algumas palavras, e o cérebro humano é ótimo em aprender rápido, não foi diferente com Felipe, ele aprendeu a pronunciar palavras mesmo que de uma maneira muito ruim, ainda sim iria permanecer iletrado, falar é mais fácil que escrever, por isso era bom não avançar muito, precisaria de um tutor de comunicação nesse caso.
Ao seu relatório Ícaro leu e não havia nada curioso, era pequeno e dizia somente que Felipe crescerá dentro da mata amazônica, com os bichos e se portava feito eles com isso teve um ótimo desenvolvido em habilidades que diriam sobrehumanas. Felipe desenvolveu o sentido de percepção, audição aguçada, uma visão noturna boa de mais para um humano, um ótimo faro, mas não um bom paladar, uma vez que comia muitas coisas cruas sem intenção alguma de apreciar o gosto e apenas saciar sua fome. Era um humano "comum", ou era para ser, mas a natureza o fez o homem selvagem e primitivo que era, ele tinha uma força um tanto anormal, afinal precisava ser menos inteligente certamente e mais inteligente de uma forma animal para sobreviver, então lutara e caçava os bichos da selva com as próprias mãos, técnicas e meios que conseguiu aprender observando outras especies, e com isso tornou-se ótimo caçador com suas presas.
Não havia tantos dados no relatório, mas Felipe já lutará com imensos crocodilos, já se livrou de amarras de grandes jiboias, enfrentou onças selvagens que eram os mais ferozes da selva, mas também fora criado por uma onça pintada, que estranhamente desenvolveu uma atenção materna pela criança após a mesma ser captada por uma onça parda em uma cabana de ribeirinho, era estranho, mas a história de Felipe nem de longe começava ali, sua mãe era uma jovem americana, que em uma viagem de expedição ao Brasil envolveu-se romanticamente com um indígena por isso Felipe tinha traços dessa mistura, a afeição era inglesa assim como o tom de pele claro mesmo que danificado pelo sol quente e o calor da mata, os cabelos lisos e rebeldes do pai possivelmente, os olhos com formatos levemente amendoados, e o nariz cumprido e delgado de sua mãe.
Sua mãe, Eleonora estava alojada a milhas de distância do veio da mata, em meados de 1988, era uma mãe coruja e vivia com ribeirinhos locais perto de uma aldeia indígena, era estudante e pesquisadora em uma temporada no brasil. Havia como muitos casos, casos de crianças que sumiam, raptadas para virar comida de onça, e aos seis meses de vida não fora diferente com Felipe, que fora levado para ser a refeição de uma enorme sussuarana macho, só que enquanto carregava Felipe para ser sua refeição o choro chamou a atenção de uma onça pintada da região, uma onça pintada que perderá sua cria da mesma forma, para a vida selvagem, e a mesma perseguiu o som.
O resultado foi magnífico, algo esplêndido, que ninguém jamais acreditaria, nunca, Felipe foi criado pelo extinto materno da onça pintada que perdera parte de sua ninhada após rouba-lo de outra onça - pelo menos em tese era a história, mas que os cientistas não faziam ideia, o leite materno da onça o supriu de maneira com que ele sobrevivesse, as mordidas que levará da onça parda fora tratada e cuidadas pela sua nova mãe peluda e pintada, que lambia o tempo todo o ferimento da pele em suas costas e não deixava moscas pousarem na ferida do bebê, além disso as cicatrizes existiam até hoje.
Cresceu com mais dois irmãos, duas outras onças e eram basicamente uma família, a primeira aparição de Felipe fora quando matou aos 16 anos uma equipe de desmatadores local que matara sua mãe já velha, e não conseguira fugir da chamas, as mortes fora tão violenta que uma perícia local foi instaurada, e não sabiam ao final que animal seria aquele que destroçou, e desmembrou 14 dos 16 homens. Depois Felipe fez parte de um grupo indígena que acreditava que ele era um deus, uma representação humana, viveu alguns anos recebendo comida sem caçar, aprendeu a vestir-se igual ao índios mas não a falar, nem interagir com os mesmos, ficava apenas observando os hábitos, aprendeu usar flechas, armas de zarabatana, a ser mais higiênico com suas necessidades, até mesmo depilar-se e lavar-se, mas para Felipe os indígenas também era animais pois eram diferentes dele aparentemente. Aos 25 anos foi capturado por uma equipe de biólogos que estudavam o perímetro, mas matou todos, foi a esse modo que a força tática foi acionada para investigar, e agora aos 28 anos Felipe estava sendo estudado por uma grande equipe de homens e força tática.
Naquela noite Ícaro entrou no quarto de Felipe, que agora mesmo falando só conversava com Ícaro e mais ninguém, sua interação era somente com ele e um pouco com Dra. Beatriz que estava ganhando espaço para interagir com Felipe. Ícaro levou um livro infantil de imagem de animais selvagens, foi o que Beatriz o entregou na porta.
— Oi Felipe — disse Ícaro
Felipe sorriu ao vê-lo entrar, era um enorme anseio para Felipe esperar o dia todo somente para ver o jovem Ícaro.
— Oi — riu se aproximando.
— Trouxe algo para você ver — Ícaro falava fazendo gestos para ele assimilar as palavras com os feitos.
— Ver — repetiu Felipe apontando os olhos como Ícaro fizera.
— Isso, ver... olha...
Ícaro mostrou ao Felipe alguns animais da fauna e um pouco da flora que Felipe já conhecia, mas, algumas coisas animou Felipe que até mesmo se agitou empolgado tentando falar, ou explicar algo que seu repertório não podia muito bem dizer, o exprimir isso, mas a surpresa maior foi quando no livro exibiu-se a imagem da onça pintada, primeiro Ícaro achou que fora um tamanho fascino quando Felipe tomou o livro de sua mão analisando mais de perto, Felipe primeiro tentou pegar o animais de dentro como se fosse capaz de tira-lo dali, mas se deu conta de aquilo não era verdadeiro, ainda sim ficou olhando bem de perto, quase tocando sua face na página do livro, e a surpresa veio quando em poucas palavras conseguiu deixar claro que aquela quem era sua mãe, a onça... todos até mesmo os cientistas ficaram intrigados, boquiabertos e horrorizados mas se chocaram ainda mais quando ele se adiantou e parou no centro da sala e soltou um esgarçado rugido de onça selvagem, e não só isso, as onças fazem um barulho peculiar, como uma roca de fiar, que pode ser produzido por um instrumento na qual Felipe fazia com a garganta. O som era tão igual, que mesmo Ícaro nunca tendo escutado ao vivo mas já tendo noção daquele som assustador ficou tremulo, apavorado, por um instante pensou até mesmo que o homem se transformaria em onça, e Felipe fez outros sons, mais alguns ganidos, tava querendo sem dúvida impressionar Ícaro e conseguiu além de o assutar.
Felipe riu e se aproximou aos pulos para perto de Ícaro que se assustou, e Felipe pulou nele tocando sua cabeça em seu pescoço, em seu corpo na verdade após derruba-lo com seu próprio peso, aquilo quase machucou Ícaro que caiu, mas riu da situação, era como um enorme cão se esfregando em si. E como qualquer animal faria, já que algumas coisas só podem ser tateadas com a lingua Felipe lambeu o rosto de Ícaro que tentava o conter ainda aos risos, mas finalmente o afastou rindo.
— Para Felipe, para — riu — sem mais essas lambidas babadas.
Ícaro se esquivou e se afastou daquela cena vergonhosa, Felipe entendeu que não devia fazer aquilo.
Ambos se olharam em silêncio, e em Ícaro brotou algo já existia no olhar de Felipe: amor. Ícaro notou uma certa angústia estranha crescer em seu peito, uma sensação inquieta e fogueada crescer onde seu coração batia, e como podia acontecer aquilo? Não, aquilo não fazia o menor sentido, mas Ícaro se deu conta que talvez o olhasse com outros olhos desde a segunda vez que se contataram.
— Preciso ir agora — disse Ícaro desconcertado por aquele sentimento estranho e incomum.
— Não — disse Felipe — Felipe não quer...
Para Felipe aquele era o momento mais triste, quando Ícaro ia embora, e dessa vez mais ainda pois Ícaro não ficou tanto tempo quanto queria, Ícaro e ele nem brincaram com a bolinha vermelha na qual ficavam jogando um ao outro.
— Não, olha... — Felipe pegou a bolinha aveludada com a modo chão e lançou para Ícaro.
Ícaro pegou a bolinha no ar e sorriu.
— Eu preciso mesmo ir Felipe, mas eu volto amanhã — explicou
Felipe queria saber o por que, mas só sabia falar o "por que" na línguagem dos macacos, não aprendera a perguntar como um humano.
Felipe abanou a cabeça positivamente e Ícaro tocou a campainha da porta que abriu pelo lado externo para que ele passasse.
Naquela noite de quarta feira cinco dias após sua chegada, sua partida já não se era mais importante, sua viagem para África se tornara subitamente desinteressante, sua abstinência do seu aparelho telefônico já não se fazia mais presente, não pensava mais na suas fotografias apesar de ver coisas lindas aprendeu a apreciar com os olhos e não com a câmera e isso tornou tudo mais incrível e intenso, sua mente só pensava em algo que o coração estava cheio, Felipe, Felipe não saia de dentro de si, ícaro estava apaixonado.