O último dia de tudo

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O frio dominava a tarde de domingo. Um clima péssimo, principalmente quando o dia está ruim. O Hospital de Sunset Street recebia William como um paciente outra vez.

Mas não era quimioterapia e nem exames de rotina.

Ele estava morrendo lentamente. Os esforços não foram suficientes, veio a metástase. Estava deitado na cama do quarto 237, segundo andar.

— Foi muito bom o tempo que passamos juntos, não acha? — O pai dizia com a voz fraca.

Os únicos que faziam companhia ali eram Rolf e Milk, os outros esperavam do lado de fora. O irmão mais velho da família não dizia nada, apenas escutava. Talvez tivesse medo de começar a falar e desabasse, ficasse encharcado de lágrimas.

— Me orgulho muito de ter sido o pai de vocês, foram muito especiais para mim.

A boca fechou, não disse mais nada. E então Mr. Henderson fechou os olhos, estava morto.
Era o último dia de tudo, das conversas, da voz do pai e daquele longo tratamento. Mas sequer significava uma vitória.

Ambos saíram do quarto e, para quem esperava do lado de fora, sabia o que significava.

— Papai morreu?— Yan perguntou em voz baixa.

— Sim — Rolf respondeu.

Por um instante, todos se olharam. Os filhos tornaram-se órfãos pela segunda vez, o amigo perdera alguém que o ajudou por muitos anos.
Tudo tinha acabado.

O barulho das pessoas, da chuva forte, tudo aquilo se misturou na cabeça do caçula, decidiu correr para fora dali. Não suportava o que estava acontecendo, segurando as lágrimas, correu para as escadas.

Muitas pessoas nos corredores se assustaram com o menino da touca vermelha que passava feito um raio. Ele não se importava com o que pensariam. Para falar a verdade, em sua cabeça, qualquer um que estivesse ali parecia estar em uma situação melhor que a dele. Naquele momento, não queria ser Yan.

Parou na entrada do Hospital, onde era possível ver os carros passando. Quando se sentou no banco, se sentiu à vontade para chorar.

Alguém tocou em seu ombro, era Tommy.

— Precisava te seguir.

Não conseguiu responder, esperava que o irmão fosse dizer mais alguma coisa.

— Se precisar de mim, estarei sempre aqui para conversarmos.

— Tudo bem.

Mais uma vez, os dois se abraçaram forte. Yan tremia, mas aos poucos ficava relaxado sentindo as mãos quentes de Tommy o entrelaçando.

— Inclusive, está muito frio — Pegou um moletom preto e estendeu para ele — Não adianta ficar só de touca, pode pegar um resfriado.

Os outros quatro desceram para procurá-los. 

— Vamos cancelar as apresentações do circo por um tempo, tudo bem? — Rolf comentou

— Beleza... — Beth observava as ruas, cabisbaixa.

O velório aconteceu dois dias depois, Milk não teve coragem de ir, ver o próprio pai em um caixão é uma sensação avassaladora. Estavam os filhos, o amigo e fãs do circo, inclusive as pessoas expulsas da casa dos Henderson ao tentarem sanar dúvidas.

Muitas vezes a morte chega assim, bruscamente, levando alguém amado sem nem poder aproveitar os momentos restantes. Mas ninguém está preparado para isso, todo mundo pensa que nunca acontecerá.
Quando olharam para o túmulo, a ficha caiu.

William Henderson
25.06.1960
04.03.2012

Dentro de casa, cada um lidava com a dor de uma maneira diferente. Milk ficava trancado no quarto, Astrid ficava fora de casa durante horas e só voltava de noite, dizia que ia caminhar para esquecer o que estava passando. E, por fim, os únicos que ficavam mais unidos eram os três irmãos mais novos e Rolf.

Yan não conseguia dormir direito, acordava às três da manhã e ficava sentado no sofá da sala, esperando alguém que quisesse conversar ou ouvir Milk ordenando que voltasse para a cama. Alguns meses depois, os espetáculos do circo retornaram e a casa deixou de ser silenciosa.
Apesar disso, ainda havia muitas coisas para se descobrir.

Os filhos do Mr. HendersonOnde histórias criam vida. Descubra agora