Os filhos do Mr. Henderson

Amor paterno

Nenhum dos irmãos Henderson dormiu bem naquela noite. Os cinco se reuniram no quarto de Milk e começaram a falar sobre as anotações do pai.

— Será que ele disse alguma coisa sobre nós ou desistiu de escrever no diário?

— Boa pergunta, Yan — O irmão mais velho abriu o caderno — Acho que depois desse tanto de páginas rasgadas, ele deve ter relatado alguma coisa.

Terça-feira, 16 de julho de 2002

21 anos depois, foi um verdadeiro recorde.

Reencontrei esse diário no meio das minhas coisas velhas.

Enfim, hoje consigo conviver sem Rosamund, apesar de ainda sentir muita dor ao lembrar dela.

O velhinho que gerenciava o circo da cidade se aposentou e, para a minha surpresa, quis que eu fosse o sucessor! Rolf, que ainda mora comigo, começou a vender pipoca na saída, mas de vez em quando faz o papel de mágico em algumas apresentações.

Estou apenas situando o que aconteceu nessas duas décadas que não escrevi nada aqui, mas o que importa são ps parágrafos seguintes:

Adotei uma criança (confesso que estava me sentindo meio solitário nos últimos anos). Estava de noite quando visitei o orfanato, então vi um menino brincando sozinho no playground. Nunca havia visto uma pele mais branca que a dele, seus cabelos pareciam até platinados.

— Aquele é o Ricky — Disse a dona — Está sempre sozinho, é o único albino daqui...

Outros meninos saíram da cozinha do lugar e começaram a zombar de Ricky.

— Ei, branquelo! — Um deles gritou — Como é brincar sozinho às oito da noite?

Poxa vida, se o menino ficasse no Sol, sairia com várias complicações na pele.

— Isso sempre acontece com ele.

— E você não vai fazer nada? — Questionei, mas não houve resposta.

Em poucos minutos de distração, vi Ricky bater no garoto que o zombava, foi então que a dona do orfanato realmente tomou a decisão de parar a briga.

Isso foi há um ano atrás, sempre que lembro disso, penso como Ricky tem uma vida difícil.

Nos primeiros meses, sempre que dizia alguma coisa que ele entendesse como discussão, logo falava um palavrão. Descobri que gosta de ser chamado de Milk também (ele disse que era um apelido que usavam para ofendê-lo, mas depois gostou de como soa, afinal, leite é bom!).

Ricky (ou melhor, Milk) é agressivo ás vezes, mas... talvez, no fundo, ele seja apenas um garoto sensível que se esconde por trás desses gritos para ficar mais forte.

Quando terminou de ler, a primeira reação de Milk foi fitar ao redor. Lembrou-se daquela cena descrita por William e se entristeceu.

— Você também sofria bullying no orfanato?

— Sim, Yan...

Por incrível que pareça, o sono de Rolf estava tão pesado que não acordou com as vozes dos irmãos. Astrid percebeu a mudança de humor repentina de Milk:

— Não gostou do que ele escreveu?

— É só que... — Suspirou — Ele me conhecia mais do que eu imaginava. Eu tinha 7 anos quando nos conhecemos...

— Acho melhor irmos dormir, se não nem teremos disposição para amanhã.