Sozinho e sentado na cama, Rolf folheava um álbum de fotos que guardava em sua mochila.
— Como eu queria que estivesse aqui... — Disse baixinho, ao ver uma foto sua com William na época da escola.
Dois anos desde que o amigo partiu e tudo pareceu virar de cabeça para baixo. Ele o ajudou quando mais precisava, mas como lidar com aquela sensação de querer ter Mr. Henderson naquela casa de novo? Não podia fazer nada.
Lembrou das coisas que ele deixou antes de morrer dentro de um baú velho, que Rolf nunca teve coragem de abrir. Mas aquela seria a hora. Pegou a chave, destrancou e tirou a primeira coisa que saiu.
Um caderno velho de capa vermelha estava em suas mãos com um bilhete: “Quando quiser, mostre isso para os meninos”. Seu coração gelou, não entendeu do que se tratava. Abriu algumas páginas, leu tudo o que conseguiu — a caneta provavelmente estava defeituosa quando William escreveu, sua letra também era incompreensível ás vezes — e finalmente percebeu o que era.
— Ah, meu Deus, vou guardar isso por um bom tempo.
Colocou o caderno de volta no baú e foi dormir pensando no que estava lendo.
O dia seguinte estava com um show no circo marcado, Milk disse inúmeras vezes para Yan que deveria acertar a sua parte. Poucas horas antes do espetáculo, os cinco irmãos estavam no camarim para se prepararem.Tommy e Milk usavam uma camisa listrada com um suspensório vermelho, enquanto Astrid vestia um collant cinza e uma saia tutu preta. Os três estavam conversando enquanto Beth ajustava os materiais necessários para suas mágicas antes de sair.
— Está tudo bem? — Tommy olhou para Yan, que estava distraído em pensamentos.
— Ah, claro!
— Você está quase esquecendo do nariz de palhaço.
— Meu Deus, é verdade! Obrigado.
— Parece que está no mundo da Lua, o que está passando dentro da sua cabeça?
— Bom... é... nada!
Ele deu de ombros e voltou a falar com Milk. Naquela noite, foi decidido que os equilibristas iriam primeiro que o palhaço para permitir um maior ensaio de Yan.
Qualquer barulho que ocorre no camarim foi ofuscado pelas palmas da platéia, alguns adultos gritavam: “Ela é demais!”. Beth correu sorrindo para ver os irmãos.
— Do pouco que olhei dessa apresentação foi... — Astrid começou a falar, mas não soube como definir aquilo em uma palavra.
— Eu completo: foi muito foda! — Milk pulou e bateu levemente no ombro da garota.
— Agora é a nossa vez!
— Realmente. Tommy, vamos lá!
Yan ficou sozinho, fazendo-o sentir um pouco triste. Se olhou de novo no espelho e arrumou o macacão verde que usava. De repente, se lembrou do porquê estava absorto nos pensamentos.
Julian Benveniste.
O garoto estava lá, ou pelo menos deveria. Seu coração pareceu ficar apertado de repente.
— Será que ele realmente está ali? — Murmurou para si mesmo.
Andou lentamente e, pela porta do camarim, tentou observar as pessoas sentadas ali. Crianças, adultos, idosos e... reconheceu os cabelos encaracolados do vocalista da Spectrum. Levou o convite a śerio, felizmente!
Espiou os irmãos na corda bamba e voltou para arrumar os últimos detalhes no traje. Pegou as bolinhas coloridas, o mesmo número das outras vezes, e respirou fundo.
Estava decidido a ser a atração mais comentada da noite.
— Mandaram bem! — Milk, ofegante, se sentou na cadeira.
— Agora é a vez do palhaço mais talentoso e brincalhão do mundo! — Rolf fazia as pessoas entrarem em êxtase.
Yan deu um passo a frente e percebeu que alguém se aproximou de seu ouvido.
— Não faça como da última vez, pelo amor de Deus!
— Eu entendi, Milk, não precisa dizer isso um milhão de vezes.
Ao chegar no palco , sentiu os olhares das pessoas. como sempre, mas algo estava diferente. Julian sorriu e deu uma piscadinha para ele quando percebeu que trocaram olhares.
Jogou uma bolinha de cada vez e as pegou no momento que se aproximavam de suas mãos. Sentiu uma adrenalina no calor do momento e começou a se arriscar. Atirou mais alto e, com um salto seguido de giro, foi capaz de segurar todas de uma vez só.— Meu Deus, isso foi incrível! — Rolf exclamou.
Aparentemente a platéia concordou com a afirmação. Gritos tomaram conta do circo e alguns tamparam os ouvidos. Parecia o final de um campeonato importante de futebol. Yan estava tão orgulhoso do feito que estava olhando ao seu redor. Milk parecia gritar um palavrão por sua surpresa, Tommy e Astrid estavam boquiabertos e Beth, que estava se preparando para vender a pipoca, estava com os olhos brilhando.
Voltou ao camarim algum tempo depois, sua cabeça doía um pouco com tantas pessoas gritando: “Nós amamos o palhaço” ou “O melhor do circo!”.
— Você se atrapalhou mas caramba, foi tão arriscado e tão incrível!
— Eu sei, Astrid, nem pensei duas vezes antes de fazer, fiquei animado — Ele sorriu. — E Milk, o que disse naquela hora que começaram a gritar?
— Eu disse: “Puta merda, essa parte do Yan foi triunfal”.
— Que bom que só nós ouvimos essa exclamação, Milk só sabe falar palavrão.
Os quatro riram até perderem o fôlego.
Quando o show acabou, esperaram o circo ficar vazio para saírem. Alguns fãs do Circo dos Henderson pareciam esperar, talvez desejassem um autógrafo de Yan.— Vai lá falar com eles.
— Mas é que...
— Você foi a atração mais comentada da noite, cara...
— Chega de palavrões por hoje, Ricky — Astrid deu um leve empurrão no irmão.
O caçula foi até as cadeiras ainda ocupadas e conversou com algumas pessoas. Para sua surpresa, Julian ainda estava ali.
— Nunca tinha ido em um circo antes...
— E o que achou?
— Foi inacreditável, aquilo que fez com as bolinhas, Deus!
— Ah, não foi nada! — Yan sorriu.
— O que você está fazendo aqui? — Tommy perguntou surpreso para o garoto.Julian e Yan se olharam, preferiram não dizer que foi por convite.
— Ah, eu fiquei sabendo que tinha um circo na região... nunca tinha ido em um, então fiquei interessado. Foi então que percebi que é da família de vocês, afinal, não são os Henderson?— Sim...
Tommy observou os dois conversando e teve uma sensação estranha, mas que não conseguia explicar.
Estava acontecendo uma coisa muito estranha.
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Os filhos do Mr. Henderson
Teen FictionWilliam Henderson, um dono de circo famoso na cidade, morre de uma forma um tanto inesperada. Agora, seus cinco filhos adotivos e um amigo de infância são obrigados a viver com o sentimento do luto. Dois anos anos depois, eles terão de descobrir seg...