Epifania

5 1 0
                                    

Tommy e Beth se assustaram com as roupas molhadas do caçula, mas ele não se arriscou a dizer o que havia acontecido para estar encharcado. Tirou a touca vermelha e se olhou no espelho.

Lembrou-se da época que tinha cabelos longos...

Agora tudo fazia sentido.

Mesmo assim, o medo não havia saído. Ter guardado aquilo para Julian foi por pouco tempo, mas para seus irmãos e Rolf, estavam sendo anos. Pior de tudo... nunca saberia a reação do pai. Tudo estava um pouco confuso depois que descobriu a palavra “trans”, não sabia como começar a contar para as pessoas e, além disso, tinha medo de ser vítima de zombarias.

Ao amanhecer, ficou calado, sem fazer qualquer menção ao dia anterior. Tommy até perguntou sobre a experiência, mas Yan apenas disse que conseguiu entrar na Spectrum, excluindo o fato de ter beijado Julian.

Rolf convidou Mary Lansquenet para um almoço no sobrado, depois dos irmãos voltarem da escola.

— Trouxe um pacote de biscoitos para vocês de novo, espero que gostem!

— Muito obrigado! — Agradeceu Beth.
A garota pegou três deles na mão após a refeição e sentou-se de novo na cadeira.

— Como estão indo as coisas no Clube, Mary? — Questionou Milk.

— Estão ótimas, quase todos os dias de shows ficam lotados.

— Que maravilha! Talvez nós iremos para lá na semana que vem, quando quisermos nos distrair.

— Será uma honra!

O irmão mais velho ficou calado e subiu as escadas para jogar videogame no quarto.

Yan estava sentado nos degraus, lia a letra de Smithreens enquanto pensava em Tommy.

Estava decidido a contar para ele, mas não sabia como e nem quando. Dobrou o papel e guardou no bolso da calça.

— Está tudo bem? — Mary sentou-se ao lado do garoto.

— Sim, sim! — Respondeu nervoso.

— Sempre que venho aqui parece um pouco triste.

— Sério? Ah, eu... estou bem!

— Mesmo sendo adotado, você é igualzinho o William, até o jeito de falar.

O sorriso nervoso que Yan exibia se transformou em uma expressão de tristeza.

— Me desculpe por citá-lo de novo... ainda é difícil pensar nele, não é?

— Já se passaram dois anos e todos os dias penso nele por pelo menos um segundo.

— Não queria te deixar assim — Acariciou seu ombro e o observou.

— Tudo bem, sei que não foi por mal.

Quando levantou-se para voltar ao quarto, Mary assobiou.

— O que foi?

— Eu tenho mais biscoitos na minha bolsa, se você quiser!

Ele sorriu para ela e subiu. Aquela mulher era tão simpática que parecia uma companheira perfeita para o pai. Tommy fazia uma lição de casa em sua cama quando percebeu que o irmão entrou no cômodo.

— Vai começar a fazer shows para banda essa semana?

— Não sei ainda, Julian não me contatou de volta.

— Ficaram um bom tempo ensaiando, né?

— Pois é...

A conversa não durou muito. Mesmo assim, ambos tinham uma sensação de alívio internamente por finalmente conseguirem ter uma conversa que não fosse superficial. Mary foi embora no meio da tarde, deixando um punhado de biscoitos que Yan e Beth devoraram em alguns dias.

Rolf estava sentado na escrivaninha quando lembrou-se da foto deixada por William no baú. Ficou tentado em vê-la de novo, além de outros registros no caderno do amigo.

Tão distraído recordando o passado, esqueceu de conferir se alguém passava pelo corredor do quarto. Por pura coincidência (ou não), Milk estava saindo para ir ao banheiro.

— O que é isso?

— Ora, não é nada — Apressou-se para esconder o caderno embaixo do colchão.

— Se não é nada, para quê esconder?
Os dois se encararam com um olhar sério.

— Vamos, diga alguma coisa! Já tinha percebido que havia algo errado com você!

Em alguns instantes, nenhum dos irmãos estava no andar de baixo, todos correram para o quarto de Rolf. Beth parecia ter um dejá vu, pois a lembrava exatamente do dia em que descobriu o câncer do pai.

— Eu não nasci ontem, porra, eu já tenho 19 anos — Gritou e puxou o caderno para suas mãos.

O retrato caiu no chão e, de forma muito ágil, a segurou para ninguém mais pegar. Analisou algumas escritas e a mulher da fotografia.

— Quem é essa?

— Rosamund, ou melhor... Rosie Henderson.

Beth e Astrid se olharam por alguns segundos, enquanto Tommy ficou com os olhos arregalados.

— Ela é...

— Se quiser saber mais, é só ler.

Milk abriu o caderno na primeira página, e logo percebeu que se tratava de um diário.

William escreveu sobre sua vida nas folhas.

Os filhos do Mr. HendersonOnde histórias criam vida. Descubra agora