Capítulo 1

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Quando Neil abriu os olhos, pensou que estava sonhando.

Ele gostaria de dizer que o que o levou a essa conclusão foi a visão da arquibancada, que lhe era extremamente familiar, mas que ele não via há pelo menos onze anos. No entanto, o cigarro pendendo de seus dedos foi o que realmente reforçou sua teoria. Veja bem, Neil e Andrew tinham abandonado a nicotina logo após a universidade, assim que começaram suas carreiras profissionais no Exy.

Tudo começou quando Kevin determinou que, se quisessem ter mais de uma década de sucesso no esporte, precisariam se livrar do vício. Andrew aceitou a sugestão, mas apenas porque acreditava que tinha total controle sobre a droga e que não era dependente. Naturalmente, sem o incentivo de Andrew, Neil também desistiu do hábito, e nenhum dos dois fumou um cigarro sequer nos últimos cinco anos.

Não foi tão fácil quanto gostariam de pensar. Andrew ficou mais irritado do que o normal no começo, relutando em admitir para si mesmo que a nicotina exercia algum controle sobre seu corpo. No entanto, com o passar dos anos, os dois encontraram novos hábitos que ajudaram a acalmar a inquietação de Andrew. Um desses hábitos foi assistir a programas no Discovery Channel.

Foi exatamente isso que Neil se lembrou de estar fazendo antes de adormecer ao lado do goleiro naquela noite. Sua última lembrança era do brilho da tela refletindo nas paredes enquanto um documentário sobre a natureza iluminava o ambiente, seu corpo exausto após um jogo desgastante. Então, num piscar de olhos, ele se encontrou sentado em um lugar bem diferente e desconfortável comparado ao sofá de sua sala de estar. A brisa noturna, em contraste com o calor de seu apartamento, arrepiou os pelos de sua nuca.

O cheiro do cigarro fez seu nariz coçar e franzir, mas mesmo assim, seu primeiro instinto foi levá-lo aos lábios. Inalando a fumaça lentamente, como estava tão acostumado a fazer nos velhos tempos, ele soltou um zumbido de apreciação que ecoou mais alto do que deveria no silêncio da quadra. Por um breve momento, seu coração disparou, e ele sentiu como se estivesse em contato com um fantasma, uma entidade que trazia de volta sensações de uma vida passada — sua mãe e todos os momentos passados com Andrew em um telhado.

Essa compreensão foi tão assustadora que ele precisou se afastar, apagando o cigarro contra o concreto do banco. Desde quando seus sonhos eram tão reais assim?

Um som estridente reverberou pela quadra, fazendo Neil virar a cabeça tão rápido que ouviu um estalo em seu pescoço. Sob a luz dos refletores do estádio, surgiu uma figura familiar e esguia. Seus cabelos grisalhos brilhavam sob a iluminação, destacando-se contra o suéter esportivo que vestia. Ao se aproximar, Neil pôde ver as rugas suaves ao redor dos olhos e dos lábios, mas não tão marcadas como deveriam estar, como se o tempo tivesse parado para ele. Seu primeiro técnico, de antes mesmo de jogar com as raposas, estava bem ali. Hernandez, um dos primeiros homens de meia-idade a conquistar, relutantemente, a confiança de Neil. Após a formatura no ensino médio, eles perderam o contato. No entanto, agora Neil se via arrependido disso. Aquele homem, comum em todos os aspectos e com um olhar mais gentil do que ele se lembrava, havia lhe dado a melhor oportunidade de sua vida.

Quando o mais velho se sentou ao seu lado, Neil quase soltou um agradecimento, mas se conteve. Afinal, de que adiantaria dizer essas palavras a uma figura em um sonho, em vez do homem real?

Os olhos de Hernandez não estavam em Neil, mas sim no campo quando ele disse: "Não vi seus pais no jogo."

Ah, Neil pensou, então minha mente estava reproduzindo essa memória.

Ele não respondeu, não achava que precisava, com preguiça de seguir o roteiro pré-determinado daquele memoria. Ao invés disso, ele manteve seus olhos no treinador. De tão perto, seu rosto parecia muito real, deixando Neil impressionado com a sua própria capacidade de imaginação. Havia se passado tanto tempo, que as feições do antigo treinador haviam se tornado confusas na sua cabeça. Ele se perguntou, se era assim mesmo que Hernandez se parecia, ou se sua mente havia apenas preenchido as lacunas restantes.

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