A dupla deu a volta, mas para a surpresa deles, o homem da máscara azul revelou a mão por um milésimo de segundo, e algo parecido com garras ficou visível.
-Você viu o que eu vi? - Célio indagou, e Adriano concordou assentindo. - Esse cara não pode ser normal.
-Pior.
-Pior o quê?
-Ele pode ser não-humano. Um monstro.
-Está lendo muito sobre mitologia no Império Romano.
-Falo sério, Célio.
Estranhamente, o homem deu outra meia-volta, mas dessa vez, parou no cômodo anterior, e subiu um lance de escadas para o segundo andar do Palácio Ducal, e o dueto continuou seguindo de longe.
Lá, no meio de vários convidados, a figura se esgueirou até uma sacada, onde uma moça adolescente de vestido cinzento com detalhes alvos e máscara branca com círculos cinzas, o esperava, e conversaram baixinho.
Os dois então interromperam o falatório.
-Com licença, senhora - disse Célio.
-Precisamos conversar a sós com este senhor - complementou Adriano.
-O que desejam? - o moço estava com as mãos dentro dos bolsos, mas eles estavam volumosos demais para ter somente as mãos.
-Você roubou algo que pertence ao nosso mestre - falou logo Célio.
-Aham... - o desconforto era visível no olhar do ladrão. - Receio não saber do que estão falando.
Adriano se aproximou e de seu cinto, pegou uma faca e apontou para o peito do furtador:
-Não finja desentendimento. Eu posso...
Tirando as mãos do bolso, o mascarado revelou não mãos, mas patas de leão, que agarraram e feriram o pulso de Adriano, que soltou a lâmina.
-Eu sabia que era um monstro! - exclamou Célio.
A mulher então ficou curvada, e seu vestido rasgou nas costas, e duas imponentes asas ascenderam, a erguendo no céu.
-Um anjo-caído? - Célio estava admirando.
-Claro que não, burro - a moça alada declarou - Sou uma harpia, e este ser é uma manticore.
-Toda harpia fala muito?! - gritou o homem, jogando Adriano pela mureta, mas este puxou o monstro juntos, e os dois caíram em cima de uma árvore.
Um tinido baixo foi ouvido no chão, e Célio percebeu que se tratava do anel. Num pulo, saltou. Já embaixo, olhou em volta e identificou um brilho que deduziu ser do anel, correu para pegá-lo. Contudo, a harpia o derrubou com suas patas de galinha no lugar das pernas. Ela aterrissou e pegou calmamente o objeto metálico, que quase afundou no rio de Veneza.
-Finalmente peguei mais um artefato pra minha coleção - a harpia ficou contente.
-Me devolve isso! - Célio gritou, empurrando a moça na água e puxando de suas mãos o anel.
Se jogou para o lado quando o manticore tentou agarrá-lo, e correu desesperado para fugir dos monstros. Adriano, que estava preso pelos pés na árvore e de cabeça para baixo, praguejava furioso.
-Me ajude aqui, seu anão! - gritou para seu companheiro.
-Não fale assim de mim! - retrucou o de menor estatura, puxando com força Adriano, que quase morreu com a queda que levou. - Vamos, não tá na hora de dormir!
Correndo, os dois chegaram à escadaria do castelo do doge, mas o manticore correu velozmente e mordeu o pé de Adriano, que gritou. Célio se virou, e enraivecido pela atitude do monstro, gritou:
-Morra!
De repente, a pedra do anel de Joabe saltou e começou a aumentar de tamanho, tomando a forma de uma escultura humana atlética.
-Seu pedido é uma ordem - falou o homem-pedra se jogando no ladrão, e frio como o gelo, dividiu o corpo dele ao meio, manchando os degraus de sangue azul.
-Ordem dada é ordem cumprida.
O homenzarrão começou a diminuir e voltou ao formato de pedra, e pela primeira vez, o dueto percebeu que não era uma pedra, mas sim um dente canino do tamanho de um dedo.
-O que é isso, afinal de contas? - indagou amedrontado Adriano.
Joabe, que havia visto quando a escultura-viva derrotou o monstro, respondeu:
-É um spartus, guerreiros que surgem dos dentes de um dragão.
-Como conseguiu um dente de dragão? - Célio estava confuso.
-Isso não é meu. Foi herança de Jair.
-O primeiro conde Graccio - Adriano afirmou.
-Exato. Jair Graccio era seu nome. Ele ganhou o condado da alta nobreza da Baviera e fez 3 viagens com destino ao Oriente: na primeira ele rodou a Grécia, a segunda em Constantinopla e a terceira em Alexandria, onde morreu. Mas ele adquiriu não apenas aliados, mas relíquias e artefatos. Esses anéis também foram conseguidos numa dessas aventuras.
A harpia então voou de dentro da água e gritou lá do céu:
-Vocês pagarão por isso!
Os três se entreolharam, preparados para o confronto.
Para a surpresa deles, no momento que a mulher-ave desceu rasgando o céu em alta velocidade, Tales apareceu próximo ao Palácio, e estava com duas tochas.
-Vai pôr fogo nesse pombo gigante? - indagou Joabe.
-Não - respondeu Tales - Vou invocar à Vesta!
-Não tente nada contra mim, Tales! - esbravejou a ave para o garoto.
Quando faltavam alguns metros para o impacto da harpia, as tochas pegaram fogo de maneira aleatória e o jovem mágico ajoelhou-se, clamando:
-Oh, Vesta, Espírito das Chamas, te peço: me proteja!
Faltando pouco menos de um metro, as brasas tomaram forma de mulher, que abraçou a harpia, e em seguida, explodiu. Um corpo carbonizado caiu nos degraus do castelo de Francesco.
A mulher de fogo ficou de pé por alguns segundos, antes de desaparecer e sobrar apenas pequenas fagulhas de sua aparição.
-O que foi isso? - Célio estava surpreso.
Tales então contou:
-Durante anos, meus antepassados guardaram livros e objetos de diferentes períodos históricos. Alguns são meramente históricos e simbólicos, mas também há aqueles que têm algum poder, como essas tochas que podem criar fogo e foram usadas pelos meus ancestrais para invocar Vesta, o Espírito das Chamas.
-É por esse motivo que eu te quero comigo - afirmou Joabe.
-Então fique feliz, pois eu aceito.
O nobre sorriu, satisfeito: - Então arrume suas malas, porque partimos amanhã.
-Amanhã? Meu Deus! Demorei tanto tempo assim para decidir?
O sábio foi correndo pelas ruas da cidade, apressado.
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As Águias Gêmeas (Fantasia-Histórica)
Historical Fiction[Primeiro livro da "Antologia os Graccios da Europa" (AGE)] No século XV, a Guerra dos 100 Anos entre a Inglaterra e a França chega a seu nonagésimo segundo ano, e desta vez, a França precisa lidar com a guerra interna entre os Borguinhões e os Arma...