2- O pastorzinho

147 16 129
                                    

Quando as sombras se esticaram pela rodoviária de Mondaí e ninguém apareceu para buscá-lo, deixando-o sozinho com o rulhar sonolento dos pombos no telhado, o jovem pastor James Wagner checou o relógio de pulso uma última vez e pôs-se a vagar ansio...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Quando as sombras se esticaram pela rodoviária de Mondaí e ninguém apareceu para buscá-lo, deixando-o sozinho com o rulhar sonolento dos pombos no telhado, o jovem pastor James Wagner checou o relógio de pulso uma última vez e pôs-se a vagar ansiosamente pelo terminal deserto.

Num movimento repetitivo, puxava a corrente do crucifixo de um lado para o outro como se tentasse serrar o pescoço, esfolando a pele sensível com vergões vermelhos que desapareciam no colarinho.

Seu supervisor havia lhe dito que Alma Richter, fiel mais antiga da congregação de Bergamota, lhe providenciaria carona até a comunidade assim que desembarcasse na cidade. Tentara entrar em contato com ele uma hora atrás, mas como o homem sempre demorava a ler mensagens de texto e James era fisicamente incapaz de fazer ligações, não obteve as respostas de que precisava.

Depois de quase duas horas de espera, com o celular já completamente descarregado, descartou qualquer explicação racional para o atraso e começou a se perguntar se aquilo não teria algum significado espiritual.

Seria um sinal de que Deus não estava de acordo com sua viagem desde o princípio? Seria um teste para avaliar sua perseverança e compromisso com o ministério?

Na madrugada que precedera sua partida, insone com a perspectiva de se tornar responsável pelas almas de uma congregação, implorara de joelhos para que Deus o matasse se não o considerasse digno do cargo. O pavor o despojara de todo o conhecimento e experiência adquiridos em seis anos de seminário, alimentando a suspeita de que não passava de um impostor, um falso profeta destinado a arrastar ovelhas inocentes para a perdição.

Angustiado com a incerteza, folheara sua Bíblia em busca de versículos que sustentassem ou refutassem essa sensação. Forçou-se a ler e reler a parábola do Joio e do Trigo dezenas de vezes, tentando discernir, em seu íntimo, qual planta o representava.

Seria ele um filho do Reino destinado a ser recolhido no celeiro do bom semeador? Seria ele uma erva daninha plantada pelo diabo que, depois de crescer infiltrada entre os eleitos, teria sua maldade exposta e punida com fogo?

Se pudesse escolher, preferiria nunca ter sido plantado. A noção de eternidade o exauria e, fosse joio ou fosse trigo, ansiava que Deus o eliminasse com herbicida antes do dia do juízo.

Por ter amanhecido vivo, interpretou que deveria dar início à sua jornada. Levantou-se do assoalho frio onde passara a noite e guardou a bíblia em sua mala de viagem, envolvendo-a cuidadosamente numa estola verde bordada com fios dourados.

Depois de tomar banho, vestiu-se no terno que passara com antecedência - ou para seu enterro ou para a viagem -, centralizou o crucifixo ao redor do pescoço e penteou os cabelos loiros com cera, evitando o olhar castanho e exausto no espelho do banheiro.

Embora as pessoas elogiassem sua aparência desde que era adolescente, comparando-o com atores dos anos 90, James não conseguia gostar de sua forma física.

Odiai vossos inimigosOnde histórias criam vida. Descubra agora