8 - Quedas e recaídas

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Decidida a contrariar as insinuações de Alma e a sufocar os próprios sentimentos desordenados, Mise resolveu não ir à igreja no dia seguinte

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Decidida a contrariar as insinuações de Alma e a sufocar os próprios sentimentos desordenados, Mise resolveu não ir à igreja no dia seguinte. Tentou ficar deitada no Chevette escrevendo seus artigos, já que era uma atividade que sempre a fazia se sentir relaxada, mas a silhueta da capela luterana a distraía de maneira irritante.

A cada vulto que passava em sua visão periférica, fosse um pinheiro vergado pelo vento de chuva ou uma pomba asa-branca cruzando o céu cinzento, imaginava que se tratava de James vindo ao seu encontro e sentia a cabeça girar com vertigem.

Por conta disso, pensou em sair um pouco de Bergamota para desanuviar seus pensamentos. Foi até a casa de Miguel e o convidou para ir ao parque aquático de uma cidade vizinha, já que ele adorava nadar em piscinas durante temporais.

Para sua frustração, o menino estava ocupado se preparando para a prova final da confirmação e, sob o escrutínio atento e a testa franzida da mãe, não teve autorização para potencialmente morrer eletrocutado.

Encurralada pelo temporal iminente e pela própria conturbação, Mise optou por se encerrar em seu quarto. Fechou as cortinas pesadas , acendeu os lampiões e, com o som de Alestorm se misturando ao dos trovões, começou a repor seu estoque de cigarros. Moeu um punhado de cravo-da-índia num pilãozinho de pedra sabão e misturou o pó resultante com folhas de fumo. Com seus dedos experientes, enrolou a mistura na seda e lambeu a borda do papel para selar os cigarros.

Fumou um quarto deles e guardou o resto numa carteira antiga de Marlboro. Cortou uma laranja com sua faca e a partilhou com o papagaio, mas, como estava distraída, acabou levando uma bicada profunda e oportunista no polegar.

Enquanto estancava o sangue com sua bandana e ouvia Batista gargalhar num deleite sádico, amaldiçoou James e a si mesma pela perda da tranquilidade que tanto valorizava.

Fora estúpida por passar tanto tempo perto dele a ponto de imaginar algo além do que ele realmente era: um pastorzinho fundamentalista, inseguro e manipulável. Dançara bêbada na beira do convés e caíra no oceano, e agora, ensopada e mal içada por uma corda, se sentia completamente desmoralizada diante de sua tripulação.

Esticou a mão pela janela, removendo a atadura improvisada, e deixou a garoa lavar o sangue. Em seguida, despejou uma dose de rum no talho para desinfetá-lo, sibilando com a queimação.

Estava prestes a sair do quarto em busca de curativos adequados quando viu o pastor descer pelo barranco, caminhando apressadamente na direção da casa.

Ele tinha o mesmo ar assustadiço e perdido de sempre, observando os morros ao redor como se fossem desabar sobre sua cabeça a qualquer momento. Como de costume, vestia suas roupas folgadas e ridiculamente formais; e os cabelos loiros, pouco a pouco escurecidos pela chuva, brilhavam como moedas antigas sob a luz baça do final da tarde.

Aterrada pela visão inesperada e ao mesmo tempo pressentida, Mise fechou as janelas antes que ele pudesse vê-la.

Ouviu a voz dele, tímida e hesitante, mal atravessar as finas paredes de madeira. Com o coração martelando como um canhão de navio, a pirata apoiou o ouvido na porta para discernir suas palavras.

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