Prólogo de um Pródigo

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Querido pai,

Não tenho o direito de pedir que aceite a pessoa que me tornei enquanto eu mesmo ainda não a reconheço no espelho, mas escrevo essas palavras com a esperança de que, ao descrever meu reflexo para alguém, ele também se torne nítido para mim.

No dia em que desembarquei na rodoviária de Mondaí, tantos meses atrás, eu não passava de um monte de areia e angústia mal embalados no título de pastor. No anelar, ainda trazia a marca da aliança que você arrancou do meu dedo enquanto Rita gritava no quarto ao lado e, gravada na alma, a certeza de que Deus havia me abandonado.

Desde que cheguei nessa cidadezinha, desbotando suas longas tardes de verão com minha própria melancolia, percebi que me prender a certezas é tão inútil e doloroso quanto me agarrar aos ramos espinhentos de uma unha-de-gato para evitar um tombo inofensivo.

Eu me aventurei nos caminhos escorregadios que a Bíblia me ensinou a evitar e, quando finalmente tropecei nas pedras e caí de cara na lama do riacho, descobri que as dúvidas, assim como as piabinhas, são boas companheiras para um espírito esgotado.

Eu não espero que você compreenda minha alegria. Céus, até meu eu do passado teria tirado a própria vida se soubesse quem estava destinado a se tornar.

Mas a verdade é que me sinto vivo pela primeira vez em anos e não devo isso a Cristo, e sim a uma mulher que nem sei se me ama.

Quando conheci Artemísia, passei uma noite ajoelhado aos pés da cama implorando para que Deus me livrasse do ódio que sentia por ela. Minhas preces foram atendidas, não sei se por Ele, pelo diabo ou pelo meu próprio coração e, desde então, passei a rogar para ser liberto do amor.

Ela ressuscitou meu coração inerte só para poder ridicularizá-lo e esmagá-lo sob suas botas. Ela me acariciou só para me mostrar o quanto ansiava por calor humano e recolheu a mão no segundo em que me reclinei em seu toque. Ela me convenceu de que não era difícil amar meus inimigos, mas que é impossível deixar de amá-la.

Ainda não sei se me perdi ou se me encontrei por causa dela, pai, mas para descobrir preciso compartilhar os sorrisos e lágrimas que me trouxeram até aqui.

Seu filho exultantemente pródigo,

James.

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