XI. Busca

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Estava escuro e quente enquanto podia sentir um líquido cobrir seu diminuto corpo. Não era necessário respirar nem pensar. Entretanto, seu conforto cessou quando se sentiu empurrado por uma súbita contração até o fim deste canal. Sua primeira reação foi chorar alto no mesmo momento que inalou o ar frio, como se fosse salvo de um afogamento. Respingos de chuva caíam nele, e ele esperneava chutando o seu cordão de carne. Não havia percebido que fora pego por braços fortes, e num único movimento cirúrgico, uma lâmina de adaga o marcou para sempre. Não sentiu dor, pelo contrário, sentiu-se livre da mulher que havia dado à luz.

— Viva... — Foi a primeira palavra que escutou dela, e também a última, numa voz que já foi vívida.

Reconheceu o mesmo branco de seu atual cabelo em sua mãe, que era o mais puro e diferente de qualquer grisalho. Seus olhos semicerrados se encontraram com o rosto de um homem de cabelo curto castanho, que o segurava nos braços. Rapidamente, sentiu uma túnica o envolvendo e, hesitantemente, foi deixado no chão aos pés do corpo frio pálido da jovem mulher.

Aquele homem deixou o local, dando uma última olhadela para o recém-nascido deixado à própria sorte. Recordou apenas a sua face tensa e preocupada. Suas súplicas em forma de choro se misturavam na torrencial chuva que antecipava o inverno no continente, e ninguém o escutou. Logo após, sentiu o chão tremer por passos apressados de homens da lei, procurando aquele a quem o abandonou.

No primeiro dia de vida, o tempo correu rápido, pois tudo era novidade para ele. O céu, as nuvens, as grandes paredes desbotadas daquele beco, e sua mãe morta, era o que podia enxergar com muita dificuldade. Sua visão demorou para se acostumar. Os cheiros e os sons pareceriam um turbilhão de essências deste mundo. E a fome foi o primeiro desconforto que sentiu ao final daquele dia.

Incapaz de fazer qualquer coisa para mudar o seu ambiente, o bebê dormiu com os cheiros da poça de sangue logo acima de sua cabeça e de umidez. Por algumas horas tudo ficou frio, e quase morreu em seu sono. Contudo, em seu primeiro sonho, vislumbrou uma enorme pira sendo abastecida por peças de armadura irreconhecíveis, e sua visão se elevou para olhar para a lua cheia. E nesse sonho, a sensação de calor parecia tão real, como se conseguisse trazer aquela visão para o agora.

Entretanto, ao acordar, seus lábios úmidos estavam ressecados, e seus cílios tinham flocos de neve os cobrindo. Não sabia por quanto tempo estava dormindo, e apenas chorou alto porque queria voltar ao conforto. Viu algumas pessoas passando e o encarando com surpresa. E um cheiro podre invadiu sua respiração difícil.

— Ei! Alguém chama o chefe! O bebê está vivo! — exclamou uma voz masculina, que chamava por mais gente.

Não demorou para que um grupo chegasse naquele beco, e um homem loiro tirou ele do chão duro e frio.

— Achei que estivesse dormindo para sempre, pequenino. — disse enquanto retirava com delicadeza a neve dos cílios do bebê, que continuavam brancos do mesmo jeito.

— Ainda bem que ele sobreviveu, não queria preparar uma cova para um bebê. — falou um homem com uniforme esfarrapado, velho e sujo de um vermelho sangrento antigo.

— Mas vai ter que cavar uma de qualquer jeito. — comentou um cara miúdo, delongando um olhar para a mulher com aparência ainda lívida.

— Levem o corpo da mãe até a nossa base, e arranjem uma ama de leite para o menino. — ordenou o chefe, confiante e liderante.

— Achava que mulheres eram estritamente proibidas de participar do nosso bando. — lembrou o mais velho deles.

— Não importa, só encontrem alguém.

— Certo. — concordaram o velho e seu camarada, em unisom.

Pai, Tio Theo, Bay, o enfermeiro Alex e Grigor... todos mais jovens, listou os nomes conforme os reconhecia nesta lembrança, que costumava aparecer com frequência em forma de pesadelo. Uma vez perguntou para o seu pai se era normal lembrar de momentos desde o nascimento, e ele respondeu que eram pouquíssimos que conseguissem ter tal capacidade. Desde então, cresceu forte junto dessa família, e Taylor nunca soube a identidade da ama de leite, e também nunca perguntou.

O Prelúdio da JornadaOnde histórias criam vida. Descubra agora