I. Presente

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Era mais uma noite de bebida entre os marginais e entre eles havia apenas um único menino. Todos cheiravam a álcool, menos a miúda criança. Não sabia se queria se juntar a eles, mas definitivamente não gostaria de terminar assim como aqueles bandidos. Não temia por nenhum maltrato pois conviveu com essa mesma gente desde sempre.

Foi resgatado ainda recém-nascido pelo líder dessa trupe, e ainda não sabia como ser grato ao seu pai. Tudo que podia fazer era obedecer e servir nas empreitadas malandras do criminoso mais procurado do reino de Nova Helder. E desde que um novo rei se sentou no trono forjado de sangue alheio, apenas desgraças caíram sobre essas terras.

Entediado por ter que passar mais uma noite embaixo da terra, o garoto sobe sem avisar para se sentir mais liberto. Pois, para ele, era revoltante ter que, forçadamente, viver sempre à espera de autoridades que os descobrissem. Pelo menos, a noite estava calma e as ruas mostravam-se vazias.

Viu poças grandes ainda persistindo sobre as juntas do chão de pedra da cidade capital e enxergou nelas o reflexo de seus olhos cintilantes de tom vermelho vivo pulsante. Incomum, mas não tão quanto as chuvas torrenciais em pleno inverno que acometia este período. Não demorou muito tempo olhando para si mesmo, pisou logo depois o reflexo de sua face para continuar seu caminho.

Para onde estava indo, o menino não sabia, pois sempre se sentia deslocado e sem rumo. Seu pai não estava presente, e isso era um dos motivos por estar acanhado. O clima úmido, frio e noturno colaborou para sua melancolia. Fazia dias que não recebia notícias de seu pai, o que o preocupava.

Mesmo sabendo da verdade sobre ele não ser o seu pai biológico, de algum modo, tornou o vínculo com sua única figura paterna mais forte. Não haveria motivos lógicos para salvar um recém-nascido senão o instinto primitivo e moral. Por sorte, a ética de seu pai sempre foi elogiada e reconhecida, apesar dos meios usados serem ilegais.

Contudo, rapidamente, sua mente é ocupada por uma cena de um guarda sendo pego desprevenido pelas costas. Percebeu no mesmo instante que se tratava das mesmas táticas usadas pelos membros dedicados do grupo de seu pai. Esgueirou-se e notou que o lugar guarnecido era um depósito.

Procurou por sinais de algum conhecido da gangue, mas após aquilo, estranhamente, não houve mais nenhum sinal de vida. Sem ter sangue nem rastros, o garoto analisou o local e lembrou se tratar do destino do principal roubo planejado do trimestre. Sabia poucos detalhes por ter ouvido apenas murmúrios de seu pai através do seu quarto.

Consumido pela curiosidade, espiou pela janela e viu apenas caixotes de madeira lacrados espalhados pelo galpão. Muitas opções vieram à tona em sua imaginação como joias, prata e ouro em barras, heranças de família, e até os inestimáveis artefatos encantados por magia de bruxos. Infelizmente, para o caso do menino, ele não detinha tais dotes mágicos, apesar de possuir características físicas incomuns como os seus olhos vermelhos.

Não demoradamente, mesmo com os pequenos braços e pernas, estreitou-se num beco e começou a escalar se apoiando entre duas paredes altas. Subiu até se deparar com uma janela fechada e fez força puxando para abri-la. Mas, não conseguiu movê-la por nenhum centímetro, e num descuido, suas pernas fraquejaram e o pequeno menino caiu daquela altura.

Se sentiu mergulhado em medo antes de bater contra o chão, mas fez o possível para cair de pé. Sua queda causou um notório e sonoro baque que atraiu a atenção de quem estivesse por perto. Passos no interior do armazém puderam ser ouvidos junto do ranger do portão de metal que se abria. Ainda se recuperando da dor nos pés e joelhos, foi engatinhando para olhar discretamente. Notou a luz de uma lamparina segurada por uma pessoa saindo para a rua e, rapidamente, buscou uma forma de sumir dali.

O Prelúdio da JornadaOnde histórias criam vida. Descubra agora