Sobre lendas e verdades esquecidas

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Enquanto ainda estamos na estrada, não consigo parar de pensar no pedaço de papel rabiscado por Adam que guardei em meu bolso. O seu questionamento acerca da minha identidade e a informação sobre uma Alison Frost, desaparecida quando ainda tinha 6 anos, me deixa completamente atordoada, confusa e paranoica, afinal, essa era a época mais nebulosa da minha infância, a qual eu não me recordava. Refletir sobre isso me fez segurar o livro com tanta força e com os punhos cerrados por todo o caminho, que eu só noto quando sinto o ardor das minhas unhas cravadas na pele da palma das minhas mãos. Abrindo-as imediatamente, eu vejo as meias-luas vermelhas. Fazia tempo que meu nervosismo não deixava aquelas marcas no meu corpo. Achei que nunca mais as veria de novo. Respiro fundo e me concentro no resto do caminho.

Quando passamos pela entrada da cidade, sinto o meu estômago revirar, como se houvesse milhões de insetos dançando desordenadamente dentro dele. Eu não sabia como chegar até meus antigos amigos. Não sabia o que dizer ou como agir. Mais de dois meses sem nenhum contato. Se quer conseguimos dar mutualmente alguma explicação sobre o que acontecera. Era certo que me ver não era algo que eles esperariam, e talvez, nem gostariam.

— Já sabe qual será a nossa primeira parada? – Eric desacelera o carro parecendo aguardar a nova rota.

— A biblioteca pública. – Respondo rapidamente, tentando adiar os encontros enquanto pensava em uma maneira dessa situação parecer menos ruim.

O caminho até a biblioteca me deixa ainda mais com saudade de Jessy. Passamos por vários lugares que ela havia me mostrado em nosso passeio virtual. A igreja, a fonte na praça do centro da cidade e aquelas ruas antigas de paralelepípedos. Ela me fez sentir em casa, mesmo estando a quilômetros dali. Sorrio e, logo em seguida, fico triste. Espero que ela me perdoe.

Chegando à biblioteca, desço do carro, entro rapidamente, deixando Eric para trás. Ela não é muito grande, mas tem mais livros do que imaginei para uma cidade tão pequena. E está bem vazia. Vejo uma senhora de cabelo grisalho no balcão a conferir no computador, com dificuldade, apesar dos óculos na ponta de seu nariz, alguns livros que provavelmente voltarão para a prateleira.

— Bom dia. – Me aproximo do balcão.

— Bom dia. – Ela responde com um sorriso gentil em seu rosto.

— A senhora poderia me ajudar a encontrar um livro específico?

— É claro, minha jovem. – A senhora empurra a pilha de livros para o lado para me dar espaço. — Do que precisa?

— Moonvale, é o nome. Não sei quem é o autor, mas a senhora já deve ter visto um livro grande, capa escura...

— Com desenhos e escrita em dourado. Ninguém sabe quem o escreveu. – Ela complementa. — É um livro que atrai muitos jovens interessados em lendas e histórias de terror. Mas você está sem sorte, minha jovem. Um garoto o levou há alguns dias e ainda não o devolveu. – A senhora estreita os olhos para a tela do computador, parecendo se esforçar para enxergar. — Já está na lista de atrasados.

— Poxa, é uma pena. Eu queria muito ler ele. Um amigo me deixou muito curiosa. – Minto, tentando não revelar o real motivo do meu interesse. — A senhora não tem outros como aquele? Digo, que fale sobre as mesmas coisas?

— Oh, não, não. Esse livro é muito raro e único, criança. Não existem outros como ele. Todos foram queimados em 1930, quando surgiu o rumor sobre uma seita muito macabra na região. A população da cidade se revoltou, confiscaram todas as bíblias Moonvale que sabiam que existia e queimaram em praça pública. Foi um acontecimento e tanto. Mas, pelo bem do conhecimento, um colecionador tinha um exemplar muito bem escondido e, décadas depois, quando a lenda já havia sido esquecida, ele o doou para a biblioteca da cidade. Desde então, vez ou outra, aparece alguém que gosta dessas histórias a procura do livro.

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