Sonhando lembranças

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Meus olhos se abrem e percebo que continuo na floresta, mas agora é diferente. É noite de lua cheia e sua luz atravessa as altas árvores, tocando o chão da floresta, que fica claro como o dia. Abaixo os olhos para minhas mãos e as noto pequenas demais para um adulto.

— Alison! – Um garotinho de grandes olhos azuis toca meu ombro. — Te achei. Papai está furioso. Temos que voltar, ou vai ser pior.

Dou a mão para ele e seguimos por uma trilha de difícil acesso para as minhas pequenas pernas de criança. Como consegui correr até aqui?

Passamos ao canto de uma cachoeira e adentramos uma caverna e, então, começo a entender como consegui ir tão longe dali. Aquele lugar úmido, cheio de morcegos, com uma fina abertura no teto por onde entra um pouco da luz da lua, me dá arrepios. Paramos à borda de um grande buraco que parece levar a uma espécie de calabouço e o garotinho me segura pelos ombros e olha no fundo dos meus olhos.

— Confie em mim. Eu não vou deixar nada acontecer com você. – Ele me vira de frente para o buraco no chão, ainda segurando em meus ombros.

— Adam, eu estou com medo. – A voz fina sai pela minha garganta acompanhada de uma vontade muito grande de chorar.

Sinto seu rosto se aproximar e o garotinho sussurra em meu ouvido.

— Allie, pule.

Meu corpo não tem forças para resistir à ordem que me fora dada e eu pulo na escuridão. Em segundos, estou em uma nascente rasa e a água amortece a minha queda. Rapidamente fico em pé e caminho pesadamente, atravessando a nascente, com a água na cintura, até a borda feita de pedras.

Mal tenho tempo para pensar no que fazer e Adam já está novamente ao meu lado, me tomando pela mão e me levando até outro pedaço da estranha caverna, onde estavam reunidas outras tantas crianças que aparentavam ter quase a mesma idade que nós. Algumas nos olhavam com desdém, com sorrisinhos em seus lábios que me deixavam angustiada. Algumas pareciam ter medo e, de outras, eu até poderia dizer que vi ódio em seus olhos.

— Finalmente, todos estão aqui. – A voz grave e compassada vem do fundo da caverna.

A iluminação fraca das únicas duas tochas laterais nos deixa apenas ver as sombras de uma figura humanoide com chifres de cervo sentada em um trono de pedra esculpido na própria caverna.

— Ao final, quando restarem apenas 1 par de vocês, eu estarei de volta para colocá-los em seus tronos. Que a disputa comece.

O homem que acredita ser um deus meio humano e meio cervo se levanta e sai, seguido por dois outros homens. Uma grande pedra é deslocada e a luz do luar nos cega por alguns segundos. Eles atravessam uma pequena passagem para fora, e a grande pedra é colocada de volta ao seu lugar, nos trancando lá dentro. Agora, a única saída era aquele buraco por onde eu pulei há pouco, mas considerando a altura que caí, é improvável que eu seja capaz de alcançá-lo.

Enquanto estou tentando encontrar uma forma de sair daquele lugar inóspito, Adam me puxa de canto e me entrega uma adaga.

— Você sabe o que fazer, Allie. – Aqueles grandes olhos azuis nunca foram tão intensos quanto agora. — Não se distancie de mim. Lembre-se, somos um só. Eu e você. Você e eu. Um só. Para sempre. E ninguém mais importa.

Aquelas palavras penetram a minha mente e reverberam em um loop infinito. Outro gatilho? O que fizeram com a minha cabeça? Eu não consigo pensar. Só existem aquelas palavras. Um redemoinho delas. E, então, Adam as silencia de uma só vez.

— Agora, Allie!

É como se meus olhos se fechassem e em segundos eu estivesse de volta a um abismo escuro e profundo, caindo em completo silêncio. Perco a noção do tempo e, de repente, meus olhos voltam a ver. Estou de volta. Olho ao meu redor e vejo muitos corpos caídos, semelhante a um cenário de guerra. Abaixo o olhar e minhas pequenas mãos estão cheias de sangue. Eu fiz aquilo?

Solto a adaga que ainda segurava e caio sentada ao chão, me arrastando até o canto da caverna tenebrosa. Abraço meus joelhos e entro em choque pelo que vejo em minha frente.

Adam que ainda lutava com outro garoto um pouco mais alto, logo me vê assustada e dá um último golpe fatal em seu oponente, vindo ao meu encontro em seguida.

— Está tudo bem. Nós conseguimos. – Ele solta a sua faca no chão e me abraça. — Nós somos os escolhidos. Papai vai ficar orgulhoso. Nada mais poderá nos parar. Nós estaremos juntos para sempre.

Eu quero gritar, afastar aquele garoto de mim, mas eu sou só uma espectadora de uma lembrança antiga. Estou presa em minha própria cabeça desde que Adam me hipnotizou, por meio de um gatilho mental, na floresta. Não há nada que eu possa fazer para mudar o destino daquela garotinha assustada, encolhida debaixo dos braços do seu meio-irmão.

Segredos da FlorestaOnde histórias criam vida. Descubra agora