VII

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Seonghwa praguejou para si mesmo enquanto tentava mais uma vez dar vida ao fogo. Estava deitado de bruços na areia, batendo repetidamente as lascas de pedra uma contra a outra, mas mesmo gerando faíscas, elas pareciam nunca pegar. Isso frustrava o pirata; certamente a pilha de madeira e galhos que havia acumulado deveria ser o suficiente para ascender o fogo. Ainda assim, ele não se acendia.

– Você está fazendo errado.

A voz de Hongjoong o assustou. Ele não esperava que o outro retornasse tão cedo. Seonghwa virou-se para olhar para o comerciante e se levantou para se ajoelhar.

– Gostaria de tentar? – ele perguntou, arqueando uma sobrancelha escura e oferecendo as lascas para Hongjoong.

Aceitando, o Kim se ajoelhou e começou a desmontar a pilha de madeira que Seonghwa havia arrumado. O maior observou em silêncio, curioso sobre a abordagem alheia. – O fogo é uma ferramenta humana – explicou Hongjoong, focado em sua tarefa. – E, como tal, se comporta muito como um humano.

Ele arrancou algumas folhas mortas e retirou fibras soltas de sua camisa até ter um pequeno feixe de material fofo em suas mãos. Em seguida, do bolso, Hongjoong tirou algumas gramíneas secas que havia coletado antes e montou todos esses materiais em um pequeno feixe.

– No começo, precisa ser tratado com delicadeza – continuou Kim. Ele criou uma plataforma de galhos menores e colocou cuidadosamente o feixe de acendalha em cima. Construiu paredes arejadas ao redor com galhos dos outros ramos. – Precisa se sentir seguro e precisa de espaço para respirar. – Com movimentos cuidadosos, bateu as lascas contra o feixe de acendalha duas vezes até que uma brasa pousasse. Ele se aproximou, soprando suavemente para tentar transformar o brilho em chama. À medida que o fogo se espalhava pelos galhos ao redor, Hongjoong adicionava gradualmente ramos maiores. Logo, um fogo robusto dançava diante deles. – Só então ele terá confiança suficiente para se mostrar – observou, levantando-se depois de ter iniciado o fogo com sucesso. O Park observou com admiração; o fogo sempre foi um mistério para ele, tendo passado a maior parte de sua vida debaixo d'água. Em contraste, o loiro parecia um mestre nisso.

Isso fazia sentido — Hongjoong era humano e provavelmente tinha experiência com fogo desde a infância. Apesar de seus esforços anteriores, Seonghwa apreciava a habilidade do homem.

– Park yumin –  disse Hongjoong de repente, pegando Seonghwa desprevenido enquanto ele se levantava. O moreno olhou para cima, confuso mas calado. Hongjoong limpou as mãos nas calças, continuando – tinha duas filhas. Agora são órfãs.

Seonghwa não entendeu o contexto das palavras de Hongjoong, mas não pressionou mais. Em vez disso, ele olhou para o fogo enquanto o outro se afastava alguns passos e se deitava de costas para ambos, Seonghwa e o fogo. Supondo que ele fosse dormir, sem dizer uma palavra a mais,o Park puxou seu colete mais apertado ao redor de si e se deitou também. Ele observou o fogo por mais um tempo enquanto o mundo ao redor deles escurecia. Eventualmente, o sono o levou a um inconsciente agitado.

Hongjoong acordou com o cheiro de carne assada. Abriu os olhos e gemeu ao sentir a rigidez dos músculos. Não tinha dormido bem durante a noite; além dos sonhos perturbadores, os sons das criaturas noturnas o acordavam constantemente. Nunca foi fã de dormir ao ar livre, mas agora não tinha escolha.

Virou-se de costas e viu que Seonghwa tinha aberto o primeiro barril de carne salgada e estava preparando o café da manhã. Seu estômago roncou ao ver aquilo. Nenhum dos dois havia comido desde que deixaram o navio, então já era hora de uma refeição.
O menor se sentou e passou os dedos pelo cabelo. Sacudiu a areia das roupas e do corpo enquanto observava o pirata trabalhar. Seonghwa havia cortado a carne em pedaços menores e agora estava assando cada tira na ponta de um graveto. Após alguns momentos, julgou uma delas estar bem cozida e a estendeu para Hongjoong.

O comerciante aceitou sem hesitar, agarrando o graveto em vez da carne, que provavelmente o queimaria. Esperou o suficiente para que sua paciência estomacal fosse testada antes de testar a temperatura com a ponta dos dedos. Determinou ser uma temperatura gerenciável e a retirou do graveto, devolvendo a ferramenta ao homem. A carne estava dura e salgada, mas Hongjoong não reclamou. Se a situação fosse diferente, eles talvez não tivessem nenhuma refeição.

Enquanto mastigava a carne, sua mente divagou por algumas das coisas que aprendera enquanto estava sob o feitiço. Eram coisas fascinantes, não podia negar, mas também bastante perturbadoras para ele. O lembrete da verdadeira natureza do homem ao seu lado trouxe um pensamento inquietante que fez a carne em sua boca parecer mais como cinzas.

– Você... – ele limpou a garganta enquanto debatia se deveria ou não continuar com sua pergunta. Não estava certo se gostaria da resposta. Apenas a ideia disso ameaçava fazê-lo vomitar. No fim, sua curiosidade decidiu que preferia saber a ser deixado a se perguntar. Estava certo de que sua imaginação o levaria a lugares sombrios se não falasse sua pergunta agora. E então ele o fez. – Você come pessoas?

Seonghwa virou seu olhar para encontrar os olhos do comerciante. Sua expressão não entregava nada, e a expectativa pela resposta quase matava Hongjoong.

– Eu não me importaria de te comer –  Seonghwa disse com voz calma e suave.

O brilho travesso nos olhos do pirata deixou claro que não estavam falando da mesma coisa, e Hongjoong subitamente sentiu calor subindo em seu rosto. Virou a cabeça, esperando que o pirata não notasse seu rubor, e continuou a comer o café da manhã. Imaginou se poderia atribuir isso ao sol, se tivesse coragem de mencioná-lo.

Esperou alguns momentos até que suas bochechas esfriassem antes de se virar para o pirata. – Você deveria me dar uma de suas facas – ele disse.

Seonghwa olhou para ele novamente, dessa vez desinteressado. – Por quê? – ele perguntou, e Hongjoong pôde detectar um toque de amargura em seu tom. – Para que você possa me esfaquear de novo?

O loiro cerrou o maxilar e olhou para o fogo. – Eu poderia caçar com ela – disse ele – ou usá-la para construir coisas úteis como um abrigo ou uma lança.

– Não – disse – Você provou ser bastante inconfiável com uma arma. Não cometerei esse erro novamente. – Hongjoong sentiu sua frustração aumentar novamente e, ao invés de permitir que se engasgasse, levantou-se para coletar mais lenha para o fogo.

– Jeon Jungkook – ele disse antes de sair – ia se casar ao voltar para casa. Agora nunca o fará.

Seonghwa observou-o partir, novamente confuso por suas palavras. O homem era um enigma para ele.

Pirate's Heart, Siren's soul - SeongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora