XV

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Três batidas fortes soaram na porta da pequena casa da cidade com a mesma intensidade que o céu acima. Grossas folhas de chuva implacáveis formavam riachos pelas ruas de paralelepípedos. Os olhos de Hongjoong estavam protegidos da chuva pela aba de um tricórnio de couro preto, mas o resto dele estava completamente encharcado momentos depois de sair de seu buraco.

Alguns passos pesados de dentro o alertaram momentos antes das trancas serem destrancadas e a porta ser aberta com um rangido terrível. – Posso ajudar você? – uma voz familiar perguntou.

O mercador lentamente levantou a cabeça, revelando mais de seu rosto debaixo do tricórnio. Seus olhos estavam opacos, suas feições magras e seu coração dormente, como estavam há mais de um mês, mas naquele momento, Hongjoong sentiu um alívio em seu peito ao ver Choi San. – Pelos deuses – seu ex-primeiro imediato arfou com olhos castanhos arregalados. – Capitão? — Ele não respondeu verbalmente. Na verdade, ele não tinha falado muito desde que deixou a ilha. Não importava, pois San já estava o conduzindo para dentro e para fora da chuva. – Deuses, achamos que você estava morto.

Hongjoong não tinha tanta certeza de que estava vivo.

O mercador logo se viu com um cobertor sobre os ombros e uma caneca quente de café amargo, mas bem-vindo, nas mãos enquanto ele e seu amigo mais antigo se sentavam perto da lareira. Hongjoong olhava para as chamas de forma apática, e San parecia aceitar que seu ex-capitão não falaria até estar pronto.
San não podia imaginar os horrores que seu amigo tinha suportado a bordo do Stardew, mas, a julgar pelo modo como ele estava agindo e pela magreza de seu rosto outrora saudável, tinha que ter sido um inferno.

Após um longo e espesso período de silêncio, Hongjoong finalmente encontrou a vontade de quebrá-lo. – O artefato.

– Está seguro – San respondeu depois de um momento. Uma risada nervosa escapou de seus lábios enquanto ele continuava, – Graças aos deuses eles não o encontraram durante o ataque.

– Onde está agora?

– Tentamos entregá-lo ao comprador quando finalmente chegamos ao porto, mas ela não quis aceitá-lo. Disse que só o aceitaria de suas próprias mãos.

As bordas dos lábios de Hongjoong se curvaram ligeiramente para baixo.

– Dissemos a ela que você estava morto, mas ela não se convenceu. Ela disse que você voltaria e que viria buscá-lo quando chegasse a hora certa. Eu pensei que ela estava louca, mas... aqui está você.

– Dê-me.

San suspirou brevemente antes de se levantar e sair da sala. Momentos depois, ele retornou com a peça em questão pendurada no final de um longo cordão de couro. Hongjoong observou a chave enquanto San a colocava em sua palma. Era feita inteiramente de osso. Detalhes ornamentados giravam o marfim em uma verdadeira chave de esqueleto. Rúnicos antigos de uma língua há muito morta estavam esculpidos em sua superfície. Era bonita, mas assombrosa. O Kim tinha suas suspeitas sobre isso antes de partir de Estoria, mas depois de passar tanto tempo com Seonghwa, ele agora tinha certeza de que possuía magia. Ele podia sentir isso em seus ossos e no ar estagnado que pulsava quase imperceptivelmente ao redor do objeto.

O mercador usou a chave como um colar, escondendo-a dentro de sua camisa para ocultá-la.

– O que você vai fazer agora? – San perguntou curiosamente enquanto o menor se levantava e vestia seu longo casaco de couro novamente.

– Esperar – ele disse com firmeza, lançando um último olhar para seu amigo antes de voltar para a noite chuvosa.

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Três meses depois, Hongjoong ouvia sem muito interesse as risadas bêbadas dos outros homens na taverna enquanto olhava para a caneca de cerveja que ocupava suas mãos. Ele se encontrava no estabelecimento com mais frequência do que ultimamente, pois afogar suas mágoas em espíritos era muito mais atraente do que ponderar como o mundo havia perdido suas cores e toda comida havia perdido o sabor.

Pirate's Heart, Siren's soul - SeongjoongOnde histórias criam vida. Descubra agora