AMANTES

01

Mel
7 horas. O alarme ecoava dentro da minha cabeça mesmo ja desligado.
Pus uma roupa qualquer, comi um pão e alimentei os peixes. Desta forma iniciava mais um dia na minha vida

Três ônibus até a faculdade, uma hora e meia até lá, tempo demais pra pensar em tudo. Estava no oitavo período, quase uma psicóloga, mas a essa altura quem precisava de ajuda era eu

Moro no complexo do alemão desde os quatro anos, costumava pensar que quando terminasse a faculdade estaria bem longe daqui, mas eu estava errada. Mesmo com inúmeros estágios não ganhava mais que um salário mínimo, insuficiente para sustentar a casa

Casa.

Desde a morte da minha mãe, meu pai virou um alcoólico, não o reconheço mais. De semana em semana a polícia bate na minha porta por conta dele. Pago as fianças, me endivido toda pra receber grosseria e ele fedendo a vodka, me sinto cansada e impotente

Hoje meu pai está preso, por desacato e o motivo.. bebida. Desta vez não tenho como pagar e me encontro em dívida com o tráfico, me inscrevi para três estágios, torço para que dê certo

Desci no ponto e assim, assisti seis tempos de aula.

De volta a favela, meu lar

- Filha - dona Sônia atravessava a rua cheia das sacolas

- Benção tia - dei a mão pra ela com um sorriso inocente

- Deus te abençoe filha

- Deixa que eu carrego pra senhora - peguei suas sacola

- Aqui - ela tirou um maço de dinheiro do bolso e estendeu na minha frente

- Isso é pra mim? - ela assentiu com a cabeça - não posso aceitar tia

- É minha forma de retribuir sua ajuda, Mel - ela enfiou em meu bolso e deu dois tapinhas satisfeitos - além disso o Cabeleira me contou que você subiu pra pedir dinheiro

- Eu não tinha mais o que fazer - baixei a cabeça - perdi o controle da situação a muito tempo

- Não se preocupa Mel, tudo vai se ajeitar, de tempo ao tempo - ri sem graça, normalmente sou eu nesta posição

- Chegamos - dei as sacolas a ela, que as recebeu sorrindo - eu me formo em poucos meses, prometo te devolver

- Não se preocupa, que Deus te abençoe

- Fica com Deus tia - dei um beijo em sua testa e segui para casa

Dona Sônia. Minha maior motivação para me formar. Quando seu filho, Cabeleira, entrou pro tráfico, ela ficou desolada, atentando contra a própria vida. Seu marido me procurou desesperado, estava no terceiro ano de faculdade e totalmente desmotivada, depois de muitas visitas e conversas, pude trazer a luz de volta a vida dela.
Hoje, dois anos se passaram, mas as visitas não pararam, além de uma figura materna, ela se tornou uma inspiração para eu continuar

Cheguei em casa e um alívio tomou conta de meu corpo, lanchei rapidamente uns salgadinhos e entrei no banho. Pus meu pijama, mas enquanto penteava meu cabelo, uma estranha sensação percorria meu corpo. Ao chegar na sala, um menino de não mais que 15 anos sentava em meu sofá com uma arma maior que minha porta, meu coração acelerou e um nervosismo tomou conta de mim

- Tranquilidade dona - ele se levantou

- Como entrou aqui?

- Isso não importa - ele ajeitou o radinho em sua cintura - Dendê tá cobrando

- Não tenho tudo ainda - juntei minhas economias com o que Sônia tinha me dado e dei a ele tremendo

- Vixi dona - ele passou a mão pela cabeça - o velho tá em cana?

- Sim, não sei onde eu tava com a cabeça quando subi - franzi as sobrancelhas - em menos de uma semana ele voltou

- Foda - ele sentou de novo - vamo fazer o seguinte

- O que - sentei ao seu lado

- Vou trocar uma ideia com Dendê, nós é bandido, mas nós tem consciência - ele sorria orgulhoso enquanto falava - devo conseguir mais uma semana pá tu

- Jura?

- Nós não jura não dona, mas é pra pagar - ele apontou o dedo na minha cara

- Obrigada mesmo - levantei, deixando o nervosismo de lado - e voce é?

- Pirulito pô - ele foi em direção a porta - que deus abençoe tua vida ai

- Fica com deus - fechei a porta

Apesar do alivio, tinha que me preocupar em como conseguir o restante do dinheiro em uma semana. Agradeci a Deus, ouço cada história de como ocorrem as cobranças aqui..