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Portuga
7 horas. Já em meu ponto, enquanto os moleques não chegavam, bolei um, acendendo logo em seguida. Enquanto fumava, olhava pra favela, todas aquelas casinhas, todas aquelas pessoas, todas vítimas do mesmo governo individualista, aquele que varre todos os problemas pra debaixo do tapete e os manda pra favela.

- Ou - Cabeleira deu um tapa em meu braço - fica ligado que daqui a pouco tem reabastecimento

- Carregamento dos bons? - ele assentiu rindo, esfregando as mãos

- Lobão tá vindo aí - ele puxou o baseado da minha mão e deu um trago

- Tem que deixar avisado pros moleques

- Pedi pro pirulito e caracol fazerem isso. Outra coisa - ele puxou mais uma vez - deu tudo certo ontem com o pagamento da Melissa?

- Deu

- Que bom, tenho que avisar pra mainha, ficou preocupada com ela

- Cês são primos?

- Não, a gente era próximo quando pequeno, quando a mãe dela ainda era viva, depois tudo desandou - ele dizia cabisbaixo - ela tirou minha mãe da depressão, tá terminando a faculdade

- Isaías falou que o pai dela sai esse fim de semana

- É. Mainha nem sabe, de família mesmo ela só tem ele - ele puxou, dessa vez mais forte

- Foda - traguei

- Filhotes - Lobão estendia os braços em nossa frente

- Paizão - nos abraçamos

- Falaram que vem carga da pesada - ele esfregou as mãos, sorrindo de orelha a orelha

E era. Rapidamente esvaziamos o caminhão e dividimos a carga conforme a demanda de cada ponto. Os moleques me ajudaram a por tudo pra dentro, e em seguida abrimos o comércio. Acendi mais um e fui pra frente do ponto, meu celular não parava de apitar, são as putas, em dia de baile ficam igual cachorro quando quer comida. Falando em puta, Alana subia, vindo em minha direção. Continuei fumando encostado no portão.

- Portuga - ela estalou a língua e estendeu o braço

- Só não puxa minha blusa - segurei seu pulso, ela riu e pôs as mãos em meu peito

- Hoje você é meu, igual da outra vez

- Não sou de ninguém não - traguei olhando reto

- Não? - ela pôs as mãos em meu pescoço e começou a beija-lo

- Espera ai - virei seu rosto quando vi movimentação lá embaixo, rapidamente cuspi o baseado e o amassei com o pé

- O Portuga 

- Alana vai embora - aumentei o tom, a empurrei e corri pra dentro

Os moleques se armavam até os dentes e não paravam de usar o rádio

- Operação? - eles assentiram jogando um fuzil em minhas mãos

- Cadê o Tampa e o Noronha com as armas do carregamento? - distribuía as balas, que ficam escondidas debaixo do piso

- Tão vindo aí

- Desçam e encontrem com eles, vou dar um jeito de esconder essa carga toda - passava a mão pelo rosto, operação em dia de reabastecimento é foda

- Falô chefia - eles desceram com cautela

- Que deus esteja com nós

Dia de operação, terror na comunidade. É o dia em que a favela perde, e muito. O dia em que as famílias sofrem sem saber pra quem ligar, o dia de dizer a quem você ama que ama.

- Qual a situação aí embaixo - levei o rádio a boca enquanto rasgava os sacos de drogas vindos do carregamento mais cedo

- É civil - ouvia tiros ao longe e os moleques rindo

Os pivetes mais novos são sempre os com maior sede de justiça, os que querem subir na hierarquia do crime de forma rápida. Entram novos, com uns onze anos já querendo portar fuzil e ser da linha de frente. Começam com assaltos na Avenida Brasil, roubos de carga, e evoluem pra execução e tráfico. Já fui esse pivete

Pus as cargas debaixo do piso e o carregamento de hoje atrás das paredes. Na época em que Dendê mandou fazer esses compartimentos, achei inútil, hoje é o que salva em dia de operação. A polícia convencional não sobe o morro, não são preparados pra isso, em uma hora os meninos estariam aqui de volta. Dia de baile, dia de comemorar

AMANTESOnde histórias criam vida. Descubra agora