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Portuga
- Essa é da boa - traguei e passei pro Tampa

- Caralho - ele puxou e deu pro Cabeleira

Demos uns tragos, até ouvirmos um bate pé atrás de nós. Era Alana, empurrando os garçons e batendo o pé com força na madeira, de braços cruzados. Puxei com força, deitando a cabeça pra trás do sofá, Tampa foi pro bar e Cabeleira se afundou mais no sofá, pondo a almofada sobre seu rosto. Alana sentou de frente pra mim e de lado pro Cabeleira

- Que que tá pegando? - perguntei ainda debruçado pra trás

- Aquele traveco - ela bateu os pés com força no chão, que tremia

- Traveco?

- É Cabeleira, aquele ali - ela tirou a almofada de seu rosto e o apontou pra baixo - espera aí - ela mudou o tom de voz e deitou em cima do Cabeleira, olhando por cima de nós

- O que - ele começou a procurar

- Melissa - ela disse lentamente, franzindo as sobrancelhas e os olhos

Ela cobria uma menina com uma jaqueta e limpava seu cabelo com um bolo de papel, a menina, por outro lado, chorava com a cabeça entre as pernas

- A que tá chorando é o traveco?

- É - ela piscava sem parar - e a outra é uma puta suja das antigas - Cabeleira rapidamente a empurrou de seu colo, a fazendo cair no chão

- Não fode - ele levantou sobre ela, agachando e apertando suas bochechas - sua puta - ele se mandou chutando o chão

Ela levantou sem acreditar, apontando pra ele e pra mim boquiaberta. Os moleques riam ao fundo e as pessoas a olhavam de olhos arregalados, pelo barulho.

- Ele gosta dela - sorri de canto e dei um trago

- Dela? - ela apontou pra baixo, assenti, com o baseado ainda na boca

- Ela é das antigas é?

- É, a gente estudou junta na municipal - ela se limpou, batendo no vestido e sentou de novo, desviando a atenção das pessoas, que voltaram a fazer o que estavam fazendo antes

Peguei o celular. Uma da manhã. Combinei de tomar café com minha mãezinha às seis, logo me levantei e me despedi de quem tava mais perto

- Ó - apontei pros meus pivetes - amanhã às sete, quero ninguém de ressaca

- Ouviu Pirulito - ele riam apontando pra ele, que não conseguia manter os olhos em mim

- To de olho em você moleque - dei um tapinha em seu rosto e me mandei

.

Acordei com a cabeça pesando, meus olhos vermelhos e a garganta doendo.
Fui pra casa de dona Maria, que me recebeu com um sorriso de orelha a orelha

- Benção mãezinha

- Que Deus te abençoe meu filho - ele passou a mão pelo meu cabelo - não dormiu bem?

- Acordei ruim, só isso - ela me guiou até a mesa

- Come um pãozinho que vou fazer um suco verde pra você - um refluxo me subiu até a garganta ao me lembrar desse suco

- Um café resolve - peguei o pão e a manteiga

- Anda trabalhando muito?

- Dona Maria não vamos falar sobre isso - dava um gole no café - e a escola de vocês?

- Fica pronta em duas semanas - ela bateu palmas animada

Minha mãezinha, a do Noronha e do Sorriso estão trabalhando pra abrir uma escola aqui na favela para as crianças que não consegue se deslocar pras municipais.

- E as professoras, contrataram?

- Duas apenas - ela entristeceu - mas não são formadas, preciso de alguém pros mais velhos

- Formada em que?

- Pedagogia, psicologia - ela tirava o miolo do pão - a realidade é dura Jota, as mulheres mal terminam a escola

- Vai dar tudo certo, eu procuro pra senhora

- Obrigada meu filho - ela pegou o celular e arregalou os olhos

- Que foi?

- Seu Oliveira voltou, saiu da cadeia esta manhã

- É? - ela assentiu pressionando os lábios

- Sempre vejo a filha dele na rua, indo pra faculdade, como que pode ser filha de alguém e ser tão diferente

- É

- Qual é o nome dela mesmo?

- Melissa

- Isso, tá sempre com a namorada de Noronha

- Não é mais namorada não

- Ué e por que?

- Mãezinha ela surtou, quebrou a casa dele inteira - ri lembrando dos detalhes

- E ele fez o que pra pobrezinha surtar desse jeito?

- Nada pô

- É, vocês nunca fazem nada - ela balançou a cabeça negativamente

- Que isso dona Maria - ela estendeu a mão e revirou os olhos, soltando uma risada

- Poxa olha a hora - ela olhou por cima de mim, em seu relógio de parede - bom trabalho meu filho, mãezinha te ama

- Te amo mãezinha - ela beijou o crucifixo em meu pescoço e me levou até a porta

Fui pra boca, pra começar mais um dia, como todos os outros.

AMANTESOnde histórias criam vida. Descubra agora