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Mel
Chegando em casa do estágio, encontrei Malu sentada em frente ao meu portão, por suas bochechas rosas ela estava ali fazia um tempo
Fui aprovada em dois dos três estágios, mas ao ver a grade de horários de um deles, preferi ficar apenas com um. Hoje foi meu segundo dia, trabalho terça e quinta por um salário mínimo. Pedi adiantado, dessa forma quitaria a dívida de uma vez por todas.

- Malu - sentei ao seu lado, a assustando

- Finalmente, achei que tinha exagerado quando falou que pra chegar era uma hora e meia no ônibus - franzi as sobrancelhas

- Pra você ver - levantei me limpando - vem, vamo entrar

Deixei minhas coisas no canto da sala e fui pra cozinha lanchar. Joguei um saco de biscoito pra Malu, que sentou no sofá. Contei que tinha conseguido o dinheiro todo e o sufoco pra ter conseguido, ficamos comemorando até escurecer e dar o horário dela de estagiar.
Tenho faculdade amanhã cedo e depois tem baile, então resolvi subir de uma vez por todas e quitar essa dívida. Não entendo sobre os pontos de tráfico e os gerentes, sei que o Cabeleira é um deles e fica na minha rua, a 300

Fui em direção ao mercadinho de Dona Neide, aquele que eu costumava acreditar que existia de verdade, assim como a própria Dona Neide

Estava prestes a entrar, quando dois molequinhos fecharam a passagem com fuzis

- Vai aonde dona?

- Preciso falar com o Cabeleira

- Espera aí - ele puxou o rádio da cintura enquanto o outro estendia a mão na minha cara - o Cabeleira

- Manda

- Tem uma mulher te procurando aqui

- É minha mãe? - revirei os olhos

- É a Melissa - me debrucei no rádio, tomando um olhar de morte dos meninos

- Manda ela entrar

- Fala que eu espero aqui

- Ela falou que espera aqui

- Eu ouvi - eles continuaram com a cara fechada pra mim

Logo ele saiu, com um baseado entre os dedos e o outro atrás da orelha. Deu dois tapinhas no ombro de cada um dos meninos e veio até mim

- Veio pedir mais dinheiro? - franzi os olhos desacreditada enquanto ele ria - é brincadeira

- Jura Cabeça - dei um tapa em sua testa - vim dar o que eu to devendo

- Ué, não foram até tua casa cobrar?

- É, mas ficou faltando uma parte

- Vai ter que subir e falar com o Portuga - ele balançou a cabeça de um lado pro outro

- Portuga? O que mata quem deve a luz do dia? - permaneci desacreditada - sem chance, o garoto falou que ia desenrolar com o Dendê, vou falar é com ele

- O Dendê essas horas tá bem longe daqui, quem manda é o Portuga, vai ter que falar com ele

- E se ele me matar?

- Ele não vai te matar Melissa - ele revirava os olhos - vou falar com ele

- Anda, tenho que acordar cedo amanhã

- Ai Portuga - ele puxou o rádio

- Fala

- A morena do 330 vai quitar a dívida - franzi as sobrancelhas me debruçando sobre ele

- Falô, manda ela subir

Ele apertou o botão de desligar e sorriu orgulhoso

- Morena do 330? Inacreditável - dei de costas

Subi o morro morrendo de medo, quando não é dia de baile aquele lugar da é terror. São vários bares e a cada esquina tem um menino portando uma arma maior que ele. Cheguei na famosa borracharia do Zé, outro comércio que eu acreditava ser real

Já na porta encontrei Noronha, o ex da Malu, aquele por quem ela vai sempre ser apaixonada. Dentre os trastes com os quais ela já se envolveu, ele foi o menos pior. Terminaram por que ele resolveu esconder de onde vinha tanto dinheiro, hoje é gerente.

- Mel? - ele coçou os olhos - o que tá fazendo aqui, e a essa hora?

- Tudo bem? - ele assentiu ainda surpreso em me ver - eu vim pagar o que fiquei devendo

- Depois do que aconteceu mais cedo tu tem é coragem - ele se debruçou pra trás rindo, olhei a arma em sua cintura, o rádio do outro lado, e de volta sua cara

- É, que que eu to fazendo aqui - dei de costas pronta pra sair correndo

- Ei - ele puxou meu braço - to zoando com a tua cara, o que aconteceu com o cigano é história pra outro dia

- Sei - disse devagar passando a mão pelo rosto, ainda desacreditada de que estava lá - tenho que falar com um Portuga

- Ai matador, perguntou de você aqui - ele abriu a porta e gritou rindo pra um homem todo tatuado, cheirando uma carreira numa mesa de vidro, rapidamente lancei um olhar de quem ia matar o Noronha naquele mesmo instante

- Manda entrar - ele fungou levantando - fala ai

- O que? - o segui até um balcão

- Quanto tu pegou?

- Cinco

- E pagou 2, certo?

- Sim - abri a bolsa e pus os bolos de dinheiro em cima do balcão - o restante

- Tá - ele tirou os elásticos e começou a contar - tá certinho - ele enfiou no bolso e deu dois tapinhas no balcão

- Valeu - fechei a bolsa e dei de costas

- Ei - rapidamente me virei de volta - no fim valeu a pena?

- Não mesmo - disse cabisbaixa

- Falaram que teu pai vai sair em alguns dias, só quero que saiba que ele é marcado aqui em cima, qualquer coisa pode subir

- Tá, tá bom - fui em direção a porta, confusa com o que ele tinha acabado de dizer

Fui o caminho todo pensando nisso, como assim meu pai vai ser solto em alguns dias, me acostumei com a rotina sem ele, tudo fica mais fácil, não preciso me preocupar com a polícia indo até em casa ou ele voltando bêbado ou como vou tirar ele do alcoolismo
De qualquer forma, senti um tremendo alívio, pena que a paz do pobre dura pouco, e a minha tá prestes a acabar, de novo.

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